segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Pensamentos em torno de Evangelion

NEON GENESIS EVANGELION
Criador:
 Hideaki Anno 
Elenco principal: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara,Yuko Miyamura, Kotono Mitsuishi, Fumihiko 
Tachiki, Koichi Yamadera, Tetsuya Iwanaga, Tomokazu Seki, Yuriko Yamaguchi, Motomo Kiyokawa
Ano: 1995
Temporadas: 1 temporada
Nota: 5/5 ⭐❤
Onde assistir: Netflix

THE END OF EVANGELION
Direção:
 Hideaki Anno e Kazuya Tsurumaki
Elenco principal: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara,Yuko Miyamura, Kotono Mitsuishi, Fumihiko Tachiki
Ano: 1997
Nota: 4,8/5 ⭐❤
Onde assistir: Netflix


Nunca havia falado sobre Evangelion aqui no Sementes Literárias - e é uma das melhores coisas que assisti na vida! Vi a série completa (26 episódios) ano passado, e finalizei em junho de 2024. Desde então, faltava-me assistir ao filme que complementa o final da série, "The End of Evangelion", e a razão para ter demorado tanto para vê-lo era que me faltava coragem: sabia que era mais violento e cru em relação ao seriado (que já é bastante pesado - pelo menos para mim), e receava assisti-lo e sentir mais intensamente o desconforto que Neon Genesis Evangelion me causou, com seu caráter profundamente psicológico e existencial que ao mesmo tempo aflige e fascina, desestabiliza e atrai. Entretanto, ontem ~finalmente~ assisti ao longa-metragem, então agora sinto que posso me debruçar mais sobre o anime e falar ~finalmente~ sobre ele aqui. Ainda existe uma série de filmes que reconta a história original de um modo diferente, os Rebuilds, mas estes ainda não vi. E há os mangás (que quero muito, mas também ainda não li). Então, dito isso, focaremos na série original e no filme que a finaliza (com spoilers, avisando desde já). 


Neon Genesis Evangelion se passa em um futuro distópico, em que o mundo quase acabou após um evento denominado "Segundo Impacto", que dizimou metade da humanidade. Na espreita de um Terceiro Impacto, e, consequentemente, do apocalipse, Shinji Ikari, um menino de 14 anos depressivo, é convocado por seu pai ausente para pilotar uma espécie de "robô" gigante chamado EVA, e, assim, derrotar seres extraterrestres denominados "Anjos", que constantemente atacam a Terra (e que já a atacaram anteriormente, no Segundo Impacto). Ele passa, então, a integrar a equipe de pilotos da NERV, associação militar comandada por seu pai, e a ser tutelado por Misato Katsuragi, membro importante da instituição. Além dele, conhecemos também Asuka e Rei, pilotas de outras unidades EVA. 


Existem muitas coisas além dessas envolvidas no enredo de Evangelion, mas meu objetivo aqui não é fornecer um resumo completo acerca do anime, nem, muito menos, tentar fornecer alguma espécie de "explicação" sobre o seu conteúdo. Comentei brevemente sobre a história somente para contextualizar o anime. Aliás, não creio que poderia explicá-lo, visto que não entendi plenamente tudo que se passou (alguém entendeu?). Evangelion, na minha concepção, não é para ser completamente entendido, como se fosse uma uma obra objetiva com um enredo e personagens planificados e, portanto, unidimensionais - muito pelo contrário! -, mas é para ser refletido e sentido. E, mesmo quando não entendia exatamente o que se passava, sentia profundamente. Mexe muito comigo. Além disso, existem muitas interpretações em torno do anime, porém nenhuma verdade absoluta. Gosto de ver as interpretações das outras pessoa, e talvez seja um pouco disso que esteja fazendo aqui. Na verdade, sabia que queria falar sobre Evangelion e o estou fazendo, mas sem um objetivo muito claro. Não é uma recomendação - embora esteja altamente recomendado. Não é um resumo, não é uma resenha, não é uma explicação. Acho que só queria escrever sobre o que senti ao ver Evangelion e talvez, dessa maneira, falar por que gosto tanto. É, acho que é isso. A manifestação da necessidade de escrever sobre algo que me toca em um lugar profundo.


"Quem sou eu? O que sou eu? O que sou eu? O que sou eu? O que sou eu?"


Acho curioso como muitas pessoas iniciam a série pensando ser este um anime meramente de ação e de luta de robô gigante (não deixa de ser, mas não é  isso), e então, a partir da segunda metade, o anime muda o tom e assume de forma mais escancarada sua veia de horror psicológico, surpreendendo essas mesmas pessoas. Bom, essa mudança não me surpreendeu, porque já fui assistir sabendo que era denso, e o enxerguei assim desde o princípio hahaha 


Enxergo Evangelion como a jornada de Shinji em aceitar-se. Aceitar a si mesmo, aceitar aos outros, aceitar a própria realidade. Muitas pessoas detestam o Shinji, porque ele é um personagem extremamente vulnerável, inseguro, carente, em momentos de desespero fez coisas muito ruins em "The End of Evangelion" e sempre quer fugir daquilo que o amedronta. Ele é bastante odiado, mas não consigo odiá-lo. Não concordo com tudo o que fez e recrimino o que ele cometeu no filme - talvez seja bom deixar claro -, porém não creio que seja justo demonizá-lo como tantos fazem, tendo em vista o contexto apocalíptico no qual ele estava inserido, o seu ódio por si próprio, o medo paralisante e o desespero por algum tipo de sensação. Creio que desgostam do Shinji porque enxergam nele aquilo que sentem repulsa sobre si mesmos, mas eu gosto que ele seja um personagem tão falho e humano. E gosto muito do final da série, em que ele reflete sobre si mesmo e sobre e a importância dos outros em nossas vidas.


Gosto das reflexões que o anime propõe a partir dos personagens. A busca constante pelo "eu", o senso de individualidade e coletividade, a dificuldade de confiar nos outros e em si mesmo, o desejo intrinsicamente humano de ser feliz - e a percepção de que nem sempre ele se concretiza -, a necessidade de se compreender e de ser compreendido, entre tantas outras coisas. Um dos conceitos apresentados em Evangelion que acho muito interessante é o "dilema do porco-espinho", originalmente apresentado por Arthur Schopenhauer: os porcos-espinhos precisam compartilhar calor uns com os outros, mas, no processo, acabam se espetando. Ao tentarem se afastar, voltam a sentir frio e necessitam novamente se aproximarem. É preciso, portanto, encontrar uma distância equilibrada entre eles. Tal como os porcos-espinhos, os seres humanos precisam uns dos outros para viverem, mas eventualmente acabam causando dor e sendo também feridos. Porém, privar-se do contato e da vulnerabilidade necessária para isso é também sofrer. Shinji, por exemplo, afasta-se das pessoas para não se machucar, mas isso não o priva do sofrimento - muito pelo contrário. 


Créditos: Cinematologia


Vale ressaltar que Shinji não é o único personagem complexo do anime: todos possuem suas questões. Asuka, por exemplo, se paga de durona e é rude com aqueles ao seu redor, mas é uma garota com uma autoestima extremamente baixa e que precisa de constante atenção e validação externa, sentindo necessidade de sempre se provar. Rei, por sua vez, é um clone adolescente criado por Gendo Ikari (pai de Shinji) da esposa morta dele, Yui, e, assim, ela busca constantemente entender quem ela é no mundo. Já Misato possuía uma relação complicada com o pai, que faleceu durante o Segundo Impacto, e busca vingança dos Anjos ao trabalhar na NERV, além de buscar preencher o vazio que sente com bebida e sexo. E ainda há mais coisas que perpassam a existência desses personagens e a de outros que não mencionei (ou não detalhei) aqui. 


"Você só quer suavizar sua alma através de escapes temporários"


Talvez por isso Evangelion mexa tanto comigo e com outras pessoas, porque nos faz imergir na psicologia de seus personagens e gera empatia, além de nos obrigar a encarar facetas que talvez existam em nós mesmos e não gostemos de encarar. Em determinado momento de "The End of Evangelion", por exemplo, chorei. O filme é muito cru, brutal e violento. Senti vontade de chorar quando toda a humanidade é condensada em uma única existência, sem qualquer tipo de distinção entre os humanos - e sem, portanto, individualidade e o sofrimento que uma existência individual implica - e Shinji descobre que este mundo que ele internamente desejou não o torna feliz. Como ele mesmo diz: "Só senti dor quando existia naquela realidade. Por isso queria tanto fugir dela. Mas não adiantou nada.". Fugir da dor não é extinguir a dor, e não há uma existência livre de pesares. Mas, do mesmo modo que há espaço para tristezas, somos também capazes de cultivar a alegria e senti-la pulsar em nós. 

Depois realmente chorei, no diálogo entre Yui e Shinji, que transcrevi aqui embaixo:


- Não se preocupe, todos têm o poder de se reerguer e de continuar vivendo. Qualquer lugar é o paraíso desde que queira viver. Afinal, todos estão vivos. E, enquanto for assim, todos têm chances de serem felizes. Enquanto houver o Sol, a Lua e a Terra, tudo dará certo. Você vai ficar bem?

- Ainda não sei onde minha felicidade está. No entanto, ainda estou aqui, e vou pensar a partir de agora no porquê de estar vivendo. Mas sei que sempre chegarei às mesmas conclusões óbvias: para continuar sendo eu mesmo.


Como já mencionei antes, também gosto muito do fim da série, em que o psicológico dos personagens é ainda mais explorado e que possui um tom mais abstrato do que o filme. Muitas pessoas não gostaram do fim da série (e essa foi, imagino eu, uma das razões para terem feito o "The End of Evangelion" depois), talvez porque ele não explique de fato o que ocorreu durante a instrumentalização humana (o termo usado no anime para definir o plano de juntar todos os seres humanos em uma única consciência e, assim, formar uma espécie de deus supremo) e o Terceiro Impacto - coisas que são abordadas de forma mais gráfica no longa-metragem. Mas eu amo o fim da série, amo muito mesmo!! E amo os questionamentos que ele levanta, amo como ele explora de forma ainda mais aprofundada os dilemas dos personagens, amo como ele conduz a jornada de Shinji rumo à aceitação de si mesmo e dos outros em uma sequência estonteantemente bem escrita e com um estilo visual criativo e único (e olha que o orçamento no final de Neon Genesis Evangelion estava quase esgotado, o que influenciou bastante nesse aspecto).


"Ao olhar as barreiras entre você e as outras pessoas, você visualiza sua própria forma"


Aliás, os visuais de Evangelion merecem destaque também! Acho incrível como conseguiram trabalhar tão bem com um orçamento apertado. Gosto muito das cenas que mais destoam do convencionalmente apresentado (e talvez, se você já assistiu ao anime, saiba exatamente do que estou falando), como ocorreu em vários momentos a partir da segunda metade da série. Existe uma certa psicodelia por detrás de algumas dessas cenas, e considero isso fascinante e belo. Em "The End of Evangelion" não é diferente, e os aspectos visuais captam bem a estranheza que rodeia o enredo, a alma caótica de um apocalipse, o desespero de sobreviver nesse contexto e de, ainda, escolher permanecer vivendo apesar de tudo. 



Enfim!! Estou feliz em falar sobre essa obra-prima (e não considero isso uma hipérbole de minha parte, nem uma definição enviesada pelo meu olhar de fã) aqui no Sementes Literárias, algo que já quis fazer em vários outros momentos e não fiz porque, principalmente, estava no aguardo de ver o filme. E é isso! É uma obra pesada? Sim, uma das coisas mais pesadas que já vi. E, no entanto, vale cada segundo. E recomendo sempre, e continuarei recomendando - agora também no Sementes. Obrigada por ler até aqui :)


"A única pessoa que pode simpatizar com você e te entender, é você. Então, seja bom com você mesmo"


P.S: Sabia que hoje, 27 de outubro, o Sementes Literárias completa 7 aninhos de vida?? Pois é!! Muita coisa. Ao longo desse tempo, escrevi mais de 200 publicações, e me orgulho muito do que construí (e continuo construindo) nesse espaço que guardo com tanto afeto dentro de meu coração, e que representa uma importante parte de mim. Publicar um textinho sobre Evangelion - que também ocupa um lugar de importância em minha vida - talvez seja um modo de comemorar: falando sobre algo que amo, num espaço que amo e que me faz tão bem 💚 Obrigada a todos os leitores e leitoras que acompanham o blog e que me apoiam nisso aqui (e um obrigada especial a mim mesma, também)! :)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lembre-se de ser sempre gentil e respeitoso(a) nos comentários 😊 Obrigada pela visita!