sábado, 25 de outubro de 2025

Resenha: "O Retrato de Dorian Gray"

O RETRATO DE DORIAN GRAY
Autor:
 Oscar Wilde
Editora: Darkside
Número de páginas: 320
Nota: 4,8/5 ⭐


Então contemplava ora o rosto maligno e envelhecido na tela, ora o rosto belo e jovem que sorria no vidro polido. A nitidez do contraste estimulava seu senso de prazer. Cada vez mais enamorado da própria beleza, cada vez mais interessado na corrupção de sua alma. 


Recentemente concluí a leitura de "O Retrato de Dorian Gray", clássico de Oscar Wilde. Havia lido a adaptação quando tinha 10 anos de idade, mas quase não me lembrava da história. O que mais me recordava era da sensação de ter ficado bastante instigada e de não ter conseguido largar o livro! Então, pensando em ler mais clássicos, comprei a versão original  da obra em abril desse ano e cheguei a ler os dois primeiros capítulos na época - porém, no fim das contas, "guardei-a para posterioridade".  Não senti que aquele era um bom momento para a leitura: não estava me conectando com o que estava escrito, achei a linguagem demasiadamente "floreada" (algo que não estava buscando naquele momento) e, portanto, não estava aproveitando o ato de ler. Entretanto, reconheci que a história era realmente interessante e decidi lê-la no futuro, quando estivesse mais na "vibe". E o momento chegou!! 

Esse período, na minha faculdade, peguei uma matéria optativa chamada "Tópicos Especiais em Estética e Pólítica", em que discutimos a relação entre arte e política. A primeira obra que tivemos que ler foi - adivinha - justamente "O Retrato de Dorian Gray", um dos principais romances representantes do Esteticismo - movimento que afirmava que a arte não serviria à moral, à política, à religião, nem a qualquer outra coisa senão a ela mesma, e que ela seria, logo, seu próprio fim. A leitura, dessa vez, fluiu muito bem e não me incomodei com a linguagem (que não deixou de ser "floreada", mas que agora consegui apreciá-la mais)! :)

Também gostaria de dizer que essa resenha tem alguns spoilers, mas siga por sua conta e risco. 


A edição que comprei (belíssima, por sinal), da Darkside, traz a versão sem censura da obra, que foi censurada em decorrência do moralismo da época em que foi lançada e dos escândalos que permearam a vida de Oscar Wilde. Além disso, também conta com um prefácio bem completo, contextualizando o livro no seu período de lançamento, na vida do autor e no movimento Esteticista, e diversos conteúdos extras ao final da obra, como várias notas que complementam a leitura, fotografias de Wilde, poesias traduzidas, um ensaio escrito por Oscar, resenhas críticas que "O Retrato de Dorian Gray" recebeu quando foi publicado - e as respostas do escritor -, um texto (muito bom, por sinal) sobre o julgamento de Oscar Wilde (acusado de praticar sodomia e de ser homossexual, e de que essas questões foram expressas também em suas obras - como em "O Retrato de Dorian Gray" ), etc. É uma edição muito bem trabalhada, contendo também ilustrações que enriquecem a experiência de leitura. 



Com relação à história, acompanhamos Dorian Gray (de início um rapaz ingênuo) e a sua decadência moral ao longo das páginas da obra. Desse modo, somos inicialmente apresentados a Basil Howard, pintor que se encanta por Gray - nutrindo pelo jovem uma admiração profunda, exacerbada e platônica - e que produz o retrato que nomeia o livro. Conhecemos também Lorde Henry (que internamente apelidei de "palestrinha", e que me fez passar muita raiva), amigo do artista e que exerce grande papel de influência na vida de Dorian. Assim, ao ver o retrato que Basil pintou dele, e, influenciado pelo discurso de Lorde Henry em torno das vantagens da juventude, dos prazeres, da beleza e dos males do envelhecimento, o protagonista deseja, ingenuamente, que a pintura envelheça em seu lugar e que ele permaneça eternamente jovem. Surpreendentemente, é atendido, e o retrato sofre modificações de acordo com as atitudes vis que comete, sendo um registro de seus pecados e um espelho de sua alma decadente. Enquanto isso, sua aparência permanece intacta, embora a sua consciência - impressa nas transformações marcadas no retrato - esteja perdida em hedonismos e em fascínio pelo cometimento de pecados. 


Bem, do momento em que o conheci, sua personalidade teve a mais extraordinária influência sobre mim [Basil]. Admito que experimentei uma louca, extravagante e absurda adoração por você [Dorian Gray]. Sentia ciúmes de qualquer um com quem falasse. Eu o queria apenas para mim. Sentia-me feliz apenas com você. Quando estávamos afastados, você ainda se fazia presente em minha arte. Tudo isso era tolo e errado, e ainda é. É claro que nunca permiti que soubesse disso, seria impossível. Você não teria compreendido; eu mesmo não compreendo. 


É realmente um enredo bastante instigante, e Oscar Wilde escreve de forma muito bonita. Vi muitas pessoas descrevendo a obra como "enfadonha" (assim como li em algumas críticas que constam no fim dessa edição), porém não concordo. Há, sim, momentos que considerei monótonos - como quando, no capítulo IX, há uma enorme descrição acerca de joias e tapeçarias, e histórias envolvendo essas coisas, mas nada que diminua o quanto gostei da leitura ou que seja suficientemente presente para que eu a caracterize como "enfadonha". Na realidade, achei bastante empolgante, especialmente o final, que em certos aspectos me surpreendeu! Existe uma atmosfera em torno de "O Retrato de Dorian Gray" que me fascinou, uma atmosfera de horror e de decadência que instigam a querer prosseguir com a leitura, a querer descobrir como a obra irá se desenrolar. Além disso, o livro levanta uma série de reflexões - provavelmente não de forma proposital, visto que o próprio Oscar Wilde afirma, em uma de suas respostas às críticas, que escreveu para o próprio prazer, não para moralizar alguém -  acerca da arte, da beleza, da própria natureza humana, dos prazeres, dos pecados, etc. Imerso em sua espiral pecaminosa, por exemplo, Dorian Gray decide destruir  o registro físico de sua trajetória sórdida, mas, no processo, mata a própria alma e põe fim à própria existência. Seus pecados não estão desassociados de sua vida, que, exacerbadamente hedonista, foi vazia, má, criminosa e teve um fim trágico. 



Como Oscar Wilde mesmo disse, em sua segunda resposta à crítica publicada na St. James Gazzete:

"O pintor, Basil Hallward, ao adorar a beleza física demais, como a maioria dos pintores, morre pelas mãos daquele cuja alma criou vaidade monstruosa e absurda. Dorian Gray, ao levar a vida de mera sensação e prazer, tenta matar a consciência e, em tal momento, mata a si mesmo. Lorde Henry Wotton busca ser meramente um espectador da vida. Ele descobre que, aqueles que rejeitam a batalha ferem-se muito mais do que aqueles que participam dela. 

Sim, há moral terrível em 'Dorian Gray'; uma moral que os lascivos não serão capazes de encontrar, mas que será revelada a todos de mente sã. Erro artístico? Temo que sim. É o único erro do livro."


"O Retrato de Dorian Gray" é, por fim, um livro muito bom cuja leitura fico feliz em ter feito, e a edição que li está um primor! Recomendo!! :)


Estava sempre apaixonada por alguém e, como tais paixões nunca eram correspondidas, preservava todas as suas ilusões.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lembre-se de ser sempre gentil e respeitoso(a) nos comentários 😊 Obrigada pela visita!