sábado, 1 de novembro de 2025

Resenha: "Demian"

novembro 01, 2025 0 Comments
DEMIAN
Autor:
 Hermann Hesse
Editora: Record
Número de páginas: 192
Nota: 4/5 ⭐


Oi, pessoal! Minha última leitura de outubro foi "Demian", que peguei emprestado da minha mãe e que foi escrito pelo alemão Hermann Hesse. Quando iniciei o livro, não fazia a mínima ideia acerca do que ele se tratava, e o fiz simplesmente por ser o favorito de um amigo meu. Assim, me surpreendi pelo tom existencialista e filosófico da obra, e acabei gostando! 

"Demian" acompanha  Emil Sinclair em seus anos de juventude, imerso numa jornada em busca de si mesmo e no descobrimento e na aceitação do mundo em sua completude, que ele divide em "mundo luminoso" e o "mundo sombrio". O primeiro diz respeito às coisas tidas como boas, como o seio familiar, os sentimentos de amor, harmonia, ordem e paz. O segundo, por sua vez, refere-se àquilo que é proibido, pecaminoso, escandaloso. Desse modo, no princípio de sua vida, Sinclair estava bastante alinhado ao "mundo luminoso", embora rodeado pelo "mundo sombrio", que exercia sobre ele um misto de fascínio e temeridade. Entretanto, quando um vizinho o ameaça em troca de dinheiro e ele esconde o fato de seus pais, Sinclair se vê adentrando no mundo que denomina sombrio. A partir dessa situação, ele se aproxima de Demian, um colega de escola, que o defende e provoca profunda admiração e atração no protagonista. Esse contato e a amizade que brota entre ambos marca Sinclair durante toda a sua vida, uma vez que Demian faz com que o rapaz se questione acerca do mundo ao redor, de suas próprias crenças e de sua própria natureza, servindo como uma espécie de "guia" para Emil.
Além de Demian, outros personagens exercem grande influência na vida de Sinclair, como Pistórius e Eva.

A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser. 

 



Dessa forma, somos apesentados a uma série de reflexões que se debruçam sobre a dualidade do mundo e do nosso interior, sobre a religião e sobre a essência de nós mesmos. Assim como Sinclair, somos levados a nos questionar se estamos no caminho de nosso destino, se estamos, de fato, caminhando em direção a sermos verdadeiramente nós. Porém, quem somos, afinal? E "Demian" narra - entre outras questões abordadas, claro - justamente isso, essa nossa constante e eterna descoberta de nosso ser, e também a coragem necessária para nos descobrirmos e sermos nós mesmos, além da necessidade de aceitar-se nesse processo. Tal atmosfera introspectiva perdura durante toda a leitura, e me lembrou em certos momentos de Evangelion. Há uma metáfora marcante no livro, por exemplo, que diz o seguinte: "A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo." - antigas crenças, antigos comportamentos, antigos ciclos, etc. Tal passagem me lembrou bastante o apresentado em "The End of Evangelion" e uma das falas do longa: "O destino da destruição é também a alegria do renascimento". Além disso, toda a discussão em torno do "ser" e da busca por nossa identidade e suas facetas - sombria e luminosa - também me lembrou demais o anime! Outra coisa que achei bem interessante diz respeito ao nome do próprio protagonista, algo que não tinha percebido enquanto fazia a leitura, mas que só notei graças a um vídeo (excelente, por sinal!) que vi do canal "Ler Antes de Morrer". Nesse sentido, a ambiguidade entre aquilo que é "iluminado" e aquilo que é "sombrio" está expressa no nome Sinclair também, pois "Sin" é "pecado" em inglês e "Clair" significa "claro" em francês, o que demonstra como tal antítese está profundamente presente em sua vida - em seus anseios, descobertas, pensamentos, alegrias...


Esse Deus da antiga e da nova Aliança é, antes de tudo, uma figura extraordinária, mas não o que realmente deveria ser. Representa o bom, o nobre, o paternal, o belo e também o elevado e o sentimental... está bem! Mas o mundo se compõe também de outras coisas. E toda essa parte do mundo, toda essa outra metade é encoberta e silenciada. Glorifica-se a Deus como Pai de toda a vida, ao mesmo tempo em que se oculta e se silencia a vida sexual, fonte e substrato da própria vida, declarando-a pecado e obra do Demônio. Não faço a menor objeção a que se adore esse Deus Jeová. Mas creio que devemos adorar e santificar o mundo inteiro em sua plenitude total e não apenas essa metade oficial, artificialmente dissociada. 


Ademais, a narrativa de "Demian" foi bastante influenciada pelos eventos da Primeira Guerra Mundial (a obra foi lançada em 1919, e a guerra teve seu fim em 1918) e pelo trabalho do psicanalista Carl Jung, características expressas nas metáforas apresentadas (como a já citada nesta resenha) e no mergulho psicológico do personagem. 


Enfimm! Foi uma leitura instigante e eu recomendo :)


Quando odiamos um homem, odiamos em sua imagem algo que trazemos em nós mesmos.



 

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Pensamentos em torno de Evangelion

outubro 27, 2025 0 Comments
NEON GENESIS EVANGELION
Criador:
 Hideaki Anno 
Elenco principal: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara,Yuko Miyamura, Kotono Mitsuishi, Fumihiko 
Tachiki, Koichi Yamadera, Tetsuya Iwanaga, Tomokazu Seki, Yuriko Yamaguchi, Motomo Kiyokawa
Ano: 1995
Temporadas: 1 temporada
Nota: 5/5 ⭐❤
Onde assistir: Netflix

THE END OF EVANGELION
Direção:
 Hideaki Anno e Kazuya Tsurumaki
Elenco principal: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara,Yuko Miyamura, Kotono Mitsuishi, Fumihiko Tachiki
Ano: 1997
Nota: 4,8/5 ⭐❤
Onde assistir: Netflix


Nunca havia falado sobre Evangelion aqui no Sementes Literárias - e é uma das melhores coisas que assisti na vida! Vi a série completa (26 episódios) ano passado, e finalizei em junho de 2024. Desde então, faltava-me assistir ao filme que complementa o final da série, "The End of Evangelion", e a razão para ter demorado tanto para vê-lo era que me faltava coragem: sabia que era mais violento e cru em relação ao seriado (que já é bastante pesado - pelo menos para mim), e receava assisti-lo e sentir mais intensamente o desconforto que Neon Genesis Evangelion me causou, com seu caráter profundamente psicológico e existencial que ao mesmo tempo aflige e fascina, desestabiliza e atrai. Entretanto, ontem ~finalmente~ assisti ao longa-metragem, então agora sinto que posso me debruçar mais sobre o anime e falar ~finalmente~ sobre ele aqui. Ainda existe uma série de filmes que reconta a história original de um modo diferente, os Rebuilds, mas estes ainda não vi. E há os mangás (que quero muito, mas também ainda não li). Então, dito isso, focaremos na série original e no filme que a finaliza (com spoilers, avisando desde já). 


Neon Genesis Evangelion se passa em um futuro distópico, em que o mundo quase acabou após um evento denominado "Segundo Impacto", que dizimou metade da humanidade. Na espreita de um Terceiro Impacto, e, consequentemente, do apocalipse, Shinji Ikari, um menino de 14 anos depressivo, é convocado por seu pai ausente para pilotar uma espécie de "robô" gigante chamado EVA, e, assim, derrotar seres extraterrestres denominados "Anjos", que constantemente atacam a Terra (e que já a atacaram anteriormente, no Segundo Impacto). Ele passa, então, a integrar a equipe de pilotos da NERV, associação militar comandada por seu pai, e a ser tutelado por Misato Katsuragi, membro importante da instituição. Além dele, conhecemos também Asuka e Rei, pilotas de outras unidades EVA. 


Existem muitas coisas além dessas envolvidas no enredo de Evangelion, mas meu objetivo aqui não é fornecer um resumo completo acerca do anime, nem, muito menos, tentar fornecer alguma espécie de "explicação" sobre o seu conteúdo. Comentei brevemente sobre a história somente para contextualizar o anime. Aliás, não creio que poderia explicá-lo, visto que não entendi plenamente tudo que se passou (alguém entendeu?). Evangelion, na minha concepção, não é para ser completamente entendido, como se fosse uma uma obra objetiva com um enredo e personagens planificados e, portanto, unidimensionais - muito pelo contrário! -, mas é para ser refletido e sentido. E, mesmo quando não entendia exatamente o que se passava, sentia profundamente. Mexe muito comigo. Além disso, existem muitas interpretações em torno do anime, porém nenhuma verdade absoluta. Gosto de ver as interpretações das outras pessoa, e talvez seja um pouco disso que esteja fazendo aqui. Na verdade, sabia que queria falar sobre Evangelion e o estou fazendo, mas sem um objetivo muito claro. Não é uma recomendação - embora esteja altamente recomendado. Não é um resumo, não é uma resenha, não é uma explicação. Acho que só queria escrever sobre o que senti ao ver Evangelion e talvez, dessa maneira, falar por que gosto tanto. É, acho que é isso. A manifestação da necessidade de escrever sobre algo que me toca em um lugar profundo.


"Quem sou eu? O que sou eu? O que sou eu? O que sou eu? O que sou eu?"


Acho curioso como muitas pessoas iniciam a série pensando ser este um anime meramente de ação e de luta de robô gigante (não deixa de ser, mas não é  isso), e então, a partir da segunda metade, o anime muda o tom e assume de forma mais escancarada sua veia de horror psicológico, surpreendendo essas mesmas pessoas. Bom, essa mudança não me surpreendeu, porque já fui assistir sabendo que era denso, e o enxerguei assim desde o princípio hahaha 


Enxergo Evangelion como a jornada de Shinji em aceitar-se. Aceitar a si mesmo, aceitar aos outros, aceitar a própria realidade. Muitas pessoas detestam o Shinji, porque ele é um personagem extremamente vulnerável, inseguro, carente, em momentos de desespero fez coisas muito ruins em "The End of Evangelion" e sempre quer fugir daquilo que o amedronta. Ele é bastante odiado, mas não consigo odiá-lo. Não concordo com tudo o que fez e recrimino o que ele cometeu no filme - talvez seja bom deixar claro -, porém não creio que seja justo demonizá-lo como tantos fazem, tendo em vista o contexto apocalíptico no qual ele estava inserido, o seu ódio por si próprio, o medo paralisante e o desespero por algum tipo de sensação. Creio que desgostam do Shinji porque enxergam nele aquilo que sentem repulsa sobre si mesmos, mas eu gosto que ele seja um personagem tão falho e humano. E gosto muito do final da série, em que ele reflete sobre si mesmo e sobre e a importância dos outros em nossas vidas.


Gosto das reflexões que o anime propõe a partir dos personagens. A busca constante pelo "eu", o senso de individualidade e coletividade, a dificuldade de confiar nos outros e em si mesmo, o desejo intrinsicamente humano de ser feliz - e a percepção de que nem sempre ele se concretiza -, a necessidade de se compreender e de ser compreendido, entre tantas outras coisas. Um dos conceitos apresentados em Evangelion que acho muito interessante é o "dilema do porco-espinho", originalmente apresentado por Arthur Schopenhauer: os porcos-espinhos precisam compartilhar calor uns com os outros, mas, no processo, acabam se espetando. Ao tentarem se afastar, voltam a sentir frio e necessitam novamente se aproximarem. É preciso, portanto, encontrar uma distância equilibrada entre eles. Tal como os porcos-espinhos, os seres humanos precisam uns dos outros para viverem, mas eventualmente acabam causando dor e sendo também feridos. Porém, privar-se do contato e da vulnerabilidade necessária para isso é também sofrer. Shinji, por exemplo, afasta-se das pessoas para não se machucar, mas isso não o priva do sofrimento - muito pelo contrário. 


Créditos: Cinematologia


Vale ressaltar que Shinji não é o único personagem complexo do anime: todos possuem suas questões. Asuka, por exemplo, se paga de durona e é rude com aqueles ao seu redor, mas é uma garota com uma autoestima extremamente baixa e que precisa de constante atenção e validação externa, sentindo necessidade de sempre se provar. Rei, por sua vez, é um clone adolescente criado por Gendo Ikari (pai de Shinji) da esposa morta dele, Yui, e, assim, ela busca constantemente entender quem ela é no mundo. Já Misato possuía uma relação complicada com o pai, que faleceu durante o Segundo Impacto, e busca vingança dos Anjos ao trabalhar na NERV, além de buscar preencher o vazio que sente com bebida e sexo. E ainda há mais coisas que perpassam a existência desses personagens e a de outros que não mencionei (ou não detalhei) aqui. 


"Você só quer suavizar sua alma através de escapes temporários"


Talvez por isso Evangelion mexa tanto comigo e com outras pessoas, porque nos faz imergir na psicologia de seus personagens e gera empatia, além de nos obrigar a encarar facetas que talvez existam em nós mesmos e não gostemos de encarar. Em determinado momento de "The End of Evangelion", por exemplo, chorei. O filme é muito cru, brutal e violento. Senti vontade de chorar quando toda a humanidade é condensada em uma única existência, sem qualquer tipo de distinção entre os humanos - e sem, portanto, individualidade e o sofrimento que uma existência individual implica - e Shinji descobre que este mundo que ele internamente desejou não o torna feliz. Como ele mesmo diz: "Só senti dor quando existia naquela realidade. Por isso queria tanto fugir dela. Mas não adiantou nada.". Fugir da dor não é extinguir a dor, e não há uma existência livre de pesares. Mas, do mesmo modo que há espaço para tristezas, somos também capazes de cultivar a alegria e senti-la pulsar em nós. 

Depois realmente chorei, no diálogo entre Yui e Shinji, que transcrevi aqui embaixo:


- Não se preocupe, todos têm o poder de se reerguer e de continuar vivendo. Qualquer lugar é o paraíso desde que queira viver. Afinal, todos estão vivos. E, enquanto for assim, todos têm chances de serem felizes. Enquanto houver o Sol, a Lua e a Terra, tudo dará certo. Você vai ficar bem?

- Ainda não sei onde minha felicidade está. No entanto, ainda estou aqui, e vou pensar a partir de agora no porquê de estar vivendo. Mas sei que sempre chegarei às mesmas conclusões óbvias: para continuar sendo eu mesmo.


Como já mencionei antes, também gosto muito do fim da série, em que o psicológico dos personagens é ainda mais explorado e que possui um tom mais abstrato do que o filme. Muitas pessoas não gostaram do fim da série (e essa foi, imagino eu, uma das razões para terem feito o "The End of Evangelion" depois), talvez porque ele não explique de fato o que ocorreu durante a instrumentalização humana (o termo usado no anime para definir o plano de juntar todos os seres humanos em uma única consciência e, assim, formar uma espécie de deus supremo) e o Terceiro Impacto - coisas que são abordadas de forma mais gráfica no longa-metragem. Mas eu amo o fim da série, amo muito mesmo!! E amo os questionamentos que ele levanta, amo como ele explora de forma ainda mais aprofundada os dilemas dos personagens, amo como ele conduz a jornada de Shinji rumo à aceitação de si mesmo e dos outros em uma sequência estonteantemente bem escrita e com um estilo visual criativo e único (e olha que o orçamento no final de Neon Genesis Evangelion estava quase esgotado, o que influenciou bastante nesse aspecto).


"Ao olhar as barreiras entre você e as outras pessoas, você visualiza sua própria forma"


Aliás, os visuais de Evangelion merecem destaque também! Acho incrível como conseguiram trabalhar tão bem com um orçamento apertado. Gosto muito das cenas que mais destoam do convencionalmente apresentado (e talvez, se você já assistiu ao anime, saiba exatamente do que estou falando), como ocorreu em vários momentos a partir da segunda metade da série. Existe uma certa psicodelia por detrás de algumas dessas cenas, e considero isso fascinante e belo. Em "The End of Evangelion" não é diferente, e os aspectos visuais captam bem a estranheza que rodeia o enredo, a alma caótica de um apocalipse, o desespero de sobreviver nesse contexto e de, ainda, escolher permanecer vivendo apesar de tudo. 



Enfim!! Estou feliz em falar sobre essa obra-prima (e não considero isso uma hipérbole de minha parte, nem uma definição enviesada pelo meu olhar de fã) aqui no Sementes Literárias, algo que já quis fazer em vários outros momentos e não fiz porque, principalmente, estava no aguardo de ver o filme. E é isso! É uma obra pesada? Sim, uma das coisas mais pesadas que já vi. E, no entanto, vale cada segundo. E recomendo sempre, e continuarei recomendando - agora também no Sementes. Obrigada por ler até aqui :)


"A única pessoa que pode simpatizar com você e te entender, é você. Então, seja bom com você mesmo"


P.S: Sabia que hoje, 27 de outubro, o Sementes Literárias completa 7 aninhos de vida?? Pois é!! Muita coisa. Ao longo desse tempo, escrevi mais de 200 publicações, e me orgulho muito do que construí (e continuo construindo) nesse espaço que guardo com tanto afeto dentro de meu coração, e que representa uma importante parte de mim. Publicar um textinho sobre Evangelion - que também ocupa um lugar de importância em minha vida - talvez seja um modo de comemorar: falando sobre algo que amo, num espaço que amo e que me faz tão bem 💚 Obrigada a todos os leitores e leitoras que acompanham o blog e que me apoiam nisso aqui (e um obrigada especial a mim mesma, também)! :)


sábado, 25 de outubro de 2025

Resenha: "O Retrato de Dorian Gray"

outubro 25, 2025 0 Comments
O RETRATO DE DORIAN GRAY
Autor:
 Oscar Wilde
Editora: Darkside
Número de páginas: 320
Nota: 4,8/5 ⭐


Então contemplava ora o rosto maligno e envelhecido na tela, ora o rosto belo e jovem que sorria no vidro polido. A nitidez do contraste estimulava seu senso de prazer. Cada vez mais enamorado da própria beleza, cada vez mais interessado na corrupção de sua alma. 


Recentemente concluí a leitura de "O Retrato de Dorian Gray", clássico de Oscar Wilde. Havia lido a adaptação quando tinha 10 anos de idade, mas quase não me lembrava da história. O que mais me recordava era da sensação de ter ficado bastante instigada e de não ter conseguido largar o livro! Então, pensando em ler mais clássicos, comprei a versão original  da obra em abril desse ano e cheguei a ler os dois primeiros capítulos na época - porém, no fim das contas, "guardei-a para posterioridade".  Não senti que aquele era um bom momento para a leitura: não estava me conectando com o que estava escrito, achei a linguagem demasiadamente "floreada" (algo que não estava buscando naquele momento) e, portanto, não estava aproveitando o ato de ler. Entretanto, reconheci que a história era realmente interessante e decidi lê-la no futuro, quando estivesse mais na "vibe". E o momento chegou!! 

Esse período, na minha faculdade, peguei uma matéria optativa chamada "Tópicos Especiais em Estética e Pólítica", em que discutimos a relação entre arte e política. A primeira obra que tivemos que ler foi - adivinha - justamente "O Retrato de Dorian Gray", um dos principais romances representantes do Esteticismo - movimento que afirmava que a arte não serviria à moral, à política, à religião, nem a qualquer outra coisa senão a ela mesma, e que ela seria, logo, seu próprio fim. A leitura, dessa vez, fluiu muito bem e não me incomodei com a linguagem (que não deixou de ser "floreada", mas que agora consegui apreciá-la mais)! :)

Também gostaria de dizer que essa resenha tem alguns spoilers, mas siga por sua conta e risco. 


A edição que comprei (belíssima, por sinal), da Darkside, traz a versão sem censura da obra, que foi censurada em decorrência do moralismo da época em que foi lançada e dos escândalos que permearam a vida de Oscar Wilde. Além disso, também conta com um prefácio bem completo, contextualizando o livro no seu período de lançamento, na vida do autor e no movimento Esteticista, e diversos conteúdos extras ao final da obra, como várias notas que complementam a leitura, fotografias de Wilde, poesias traduzidas, um ensaio escrito por Oscar, resenhas críticas que "O Retrato de Dorian Gray" recebeu quando foi publicado - e as respostas do escritor -, um texto (muito bom, por sinal) sobre o julgamento de Oscar Wilde (acusado de praticar sodomia e de ser homossexual, e de que essas questões foram expressas também em suas obras - como em "O Retrato de Dorian Gray" ), etc. É uma edição muito bem trabalhada, contendo também ilustrações que enriquecem a experiência de leitura. 



Com relação à história, acompanhamos Dorian Gray (de início um rapaz ingênuo) e a sua decadência moral ao longo das páginas da obra. Desse modo, somos inicialmente apresentados a Basil Howard, pintor que se encanta por Gray - nutrindo pelo jovem uma admiração profunda, exacerbada e platônica - e que produz o retrato que nomeia o livro. Conhecemos também Lorde Henry (que internamente apelidei de "palestrinha", e que me fez passar muita raiva), amigo do artista e que exerce grande papel de influência na vida de Dorian. Assim, ao ver o retrato que Basil pintou dele, e, influenciado pelo discurso de Lorde Henry em torno das vantagens da juventude, dos prazeres, da beleza e dos males do envelhecimento, o protagonista deseja, ingenuamente, que a pintura envelheça em seu lugar e que ele permaneça eternamente jovem. Surpreendentemente, é atendido, e o retrato sofre modificações de acordo com as atitudes vis que comete, sendo um registro de seus pecados e um espelho de sua alma decadente. Enquanto isso, sua aparência permanece intacta, embora a sua consciência - impressa nas transformações marcadas no retrato - esteja perdida em hedonismos e em fascínio pelo cometimento de pecados. 


Bem, do momento em que o conheci, sua personalidade teve a mais extraordinária influência sobre mim [Basil]. Admito que experimentei uma louca, extravagante e absurda adoração por você [Dorian Gray]. Sentia ciúmes de qualquer um com quem falasse. Eu o queria apenas para mim. Sentia-me feliz apenas com você. Quando estávamos afastados, você ainda se fazia presente em minha arte. Tudo isso era tolo e errado, e ainda é. É claro que nunca permiti que soubesse disso, seria impossível. Você não teria compreendido; eu mesmo não compreendo. 


É realmente um enredo bastante instigante, e Oscar Wilde escreve de forma muito bonita. Vi muitas pessoas descrevendo a obra como "enfadonha" (assim como li em algumas críticas que constam no fim dessa edição), porém não concordo. Há, sim, momentos que considerei monótonos - como quando, no capítulo IX, há uma enorme descrição acerca de joias e tapeçarias, e histórias envolvendo essas coisas, mas nada que diminua o quanto gostei da leitura ou que seja suficientemente presente para que eu a caracterize como "enfadonha". Na realidade, achei bastante empolgante, especialmente o final, que em certos aspectos me surpreendeu! Existe uma atmosfera em torno de "O Retrato de Dorian Gray" que me fascinou, uma atmosfera de horror e de decadência que instigam a querer prosseguir com a leitura, a querer descobrir como a obra irá se desenrolar. Além disso, o livro levanta uma série de reflexões - provavelmente não de forma proposital, visto que o próprio Oscar Wilde afirma, em uma de suas respostas às críticas, que escreveu para o próprio prazer, não para moralizar alguém -  acerca da arte, da beleza, da própria natureza humana, dos prazeres, dos pecados, etc. Imerso em sua espiral pecaminosa, por exemplo, Dorian Gray decide destruir  o registro físico de sua trajetória sórdida, mas, no processo, mata a própria alma e põe fim à própria existência. Seus pecados não estão desassociados de sua vida, que, exacerbadamente hedonista, foi vazia, má, criminosa e teve um fim trágico. 



Como Oscar Wilde mesmo disse, em sua segunda resposta à crítica publicada na St. James Gazzete:

"O pintor, Basil Hallward, ao adorar a beleza física demais, como a maioria dos pintores, morre pelas mãos daquele cuja alma criou vaidade monstruosa e absurda. Dorian Gray, ao levar a vida de mera sensação e prazer, tenta matar a consciência e, em tal momento, mata a si mesmo. Lorde Henry Wotton busca ser meramente um espectador da vida. Ele descobre que, aqueles que rejeitam a batalha ferem-se muito mais do que aqueles que participam dela. 

Sim, há moral terrível em 'Dorian Gray'; uma moral que os lascivos não serão capazes de encontrar, mas que será revelada a todos de mente sã. Erro artístico? Temo que sim. É o único erro do livro."


"O Retrato de Dorian Gray" é, por fim, um livro muito bom cuja leitura fico feliz em ter feito, e a edição que li está um primor! Recomendo!! :)


Estava sempre apaixonada por alguém e, como tais paixões nunca eram correspondidas, preservava todas as suas ilusões.

 

domingo, 12 de outubro de 2025

Resenha: "Cecília Meireles: Antologia Poética"

outubro 12, 2025 0 Comments

CECÍLIA MEIRELES: ANTOLOGIA POÉTICA
Autora:
 Cecília Meireles
Editora: Global
Número de páginas: 336
Nota: 4,4/5 ⭐

Entre a morte e a eternidade, o amor,

essa memória para sempre. 


Oi, pessoal! Hoje trago a resenha de uma antologia poética de Cecília Meireles, publicada originalmente em 1963. Ganhei de presente de uma amiga minha em meu aniversário de 18 anos (ou seja, no ano passado) e cheguei a ler até a metade, mas acabei deixando de lado e "guardando para a posterioridade" pois chegou em uma parte (que irei detalhar melhor ao longo desta resenha) que eu não estava gostando, mas, ao mesmo tempo, não queria abandonar o livro porque havia poesias muito boas. Mês passado, então, reiniciei a leitura e, hoje, conclui-a  :)


Dito isso, o livro é dividido em 15 partes, que reúnem poemas publicados em obras anteriores de Cecília Meireles (como Viagem, um de seus livros mais famosos, e Romanceiro da Inconfidência, que concentra muitas poesias, é a maior parte da antologia e foi justamente a que eu menos gostei - e que me fez inicialmente abandonar a leitura hahaha). Além disso, também estão reunidos alguns poemas inéditos que gostei bastante! 


Cecília Meireles tem um modo de escrever muito bonito e uma melancolia particular, que se mostra presente em grande parte dos poemas apresentados. Gosto muito das poesias em que ela descreve cenas banais, pois ela o faz de forma sensível e significativa, transformando-as em "algo a mais", fazendo-as ultrapassar o mero espaço da banalidade. É o que ocorre, por exemplo, em "Eco", no qual Cecília descreve a cena de um animal num morro, que late e ouve o próprio eco (e é literalmente isso, mas ela escreve de uma maneira tão linda), em "Arlequim", em que ela retrata uma sala com grande delicadeza, e a cena se torna nítida na memória como se estivéssemos ali e em "Epigrama nº 5", em que a autora fala sobre uma gota de orvalho na folha ("E a folha é um pequeno deserto / para a imensidão do ato").

Também gostei bastante da série de poemas "Elegia", que Cecília escreve em homenagem à sua falecida avó, que a criou. O afeto em suas palavras é palpável, assim como o luto expresso em seus versos. 


Mas não era só isso, o crepúsculo:

faltam os teus dois braços numa janela, sobre flores,

e em tuas mãos o teu rosto,

aprendendo com as nuvens a sorte das transformações.


Faltam os teus olhos com ilhas, mares, viagens, povos,

tua boca, onde a passagem da vida

tinha deixado uma doçura triste,

que dispensava palavras.


[...]


Tudo em ti era uma ausência que se demorava:

uma despedida pronta a cumprir-se. 



Há um trecho de um dos poemas ("Desenho"), que não figuram na série de elegias, que me lembrou da minha própria avó, e senti aqueles dizeres como se fossem sobre ela, e senti a ternura com a qual Cecília escreveu. 


E minha avó cantava e cosia. Cantava

canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.

E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos

e palavras de amor em minha roupa escritas.


Ademais, ressalta-se que as temáticas das poesias são diversas. Em Romanceiro da Inconfidência, por exemplo, Cecília retrata (como já é possível supor a partir do título), cenas da Inconfidência Mineira. São poemas históricos bastante ricos, reconheço, porém achei tremendamente chatos. Como são muitas poesias (e, para piorar, são longas), a impressão que tive em dado momento era que essa parte da antologia era infinita - mas não é, claro (ainda bem). Para não dizer que desgostei completamente dessa parte da obra, houve alguns versos que curti - uma minoria de versos (como este aqui: "Ai, palavras! Ai, palavras! / que estranha potência a vossa! / Todo o sentido da vida / principia à vossa porta.").

Temos também poesias escritas em viagens, como é o caso de Poemas Escritos na Índia, poesias mais introspectivas (que eu adoro), em que Cecília reflete sobre os próprios sentimentos e sua existência, etc. 


Um dos poemas inéditos da antologia, e também um dos que mais gostei


Desse modo, a antologia é bastante completa e, portanto, rica. Foi uma ótima leitura, através da qual pude reler alguns poemas famosos que já gostava - como Motivo e Retrato - e conhecer tantos outros e me encantar, refletindo acerca do mundo que me cerca e acerca de mim mesma. Vale citar, também, que no final da obra também podemos ler uma cronologia com eventos importantes da vida de Cecília, permitindo que conheçamos melhor a trajetória dessa grande poetisa brasileira. 


Enquanto eu lia, inclusive, tive a ideia de recortar algumas fotos de revistas de fotografia da minha mãe e escrever uns versos de Cecília nelas. Fiz em duas, porque minha mãe descobriu - e me barrou - antes que eu pudesse fazer em mais hahaha! Mas acho que ficou bem legal, vou inserir aqui :)




ALGUMAS CITAÇÕES FAVORITAS 🌸

(Porque foram muitas)

"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta" - Motivo

"É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos." - Aceitação

"O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres." - Explicação

"Aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira" - Desenho

"Pois vivemos do que perdura,

não do que fomos." - 5º motivo da Rosa

"Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos" - Ar livre

"Leonoreta,
fin'roseta,
longe vai teu vulto amado.
Porém resiste ao meu lado
o espaço que ocuparias" - Amor em Leonoreta III

"Abraçava-me à noite nítida,

à exata noite que aparece e desaparece no seu justo limite,

à noite que existe e não existe,

e murmurava aos seus ouvidos sucessivos:

'Não quero mais dormir, nunca mais... nunca...' E a noite

levava meus olhos e meu pensamento,

levava-os, entre as estrelas antigas,

entre as estrelas nascentes,

- e eram muito menores

que as letras das palavras do meu grito." - Doze Noturnos da Holanda (DEZ)



"De longe te hei de amar,

- da tranquila distância

em que o amor é saudade

e o desejo, constância.


Do divino lugar

onde o bem da existência

é ser eternidade

e parecer ausência."


"Sonhamos ser. Mas ai, quem somos,

entre essa alucinada gente?"  - Metal Rosicler (36)


"Rios de serenata 

para o mar levarão

o que morre, o que mata 

e o que é recordação" - Metal Rosicler (46)


"Tristes ainda seremos por muito tempo,

embora de uma nobre tristeza,

nós, os que o sol e a lua

todos os dias encontram,

no espelho do silêncio refletidos,

neste longo exercício de alma" - Neste longo exercício de alma

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Resenha: "O Curioso Caso de Benjamin Button"

outubro 03, 2025 0 Comments
O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
Autor:
 F. Scott Fitzgerald
Ilustrações: Venes Caitano
Editora: Principis
Número de páginas: 80
Nota: 4,3/5 ⭐

Oi, pessoal! A minha última leitura de setembro foi "O Curioso Caso de Benjamin Button", conto escrito por F. Scott Fitzgerald (mesmo autor de "O Grande Gatsby", que estou lendo no momento) e que serviu de base para o filme de 2008 estrelado por Brad Pitt e Cate Blanchett (que eu ainda não vi - mas pretendo! - e que, por esta razão, não estarei fazendo comparativos aqui na resenha). Além do texto, a edição também conta com diversas ilustrações que mostram Benjamin Button ao longo da vida, sendo este um detalhe que enriquece a experiência do leitor e que eu gostei bastante! No fim, foi uma leitura bem rápida, fácil e bem escrita, ótima para passar o tempo :)


Nesse sentido, "O Curioso Caso de Benjamin Button" acompanha a vida do protagonista que dá nome ao livro, desde seu nascimento até a sua morte. No entanto, para a surpresa e espanto de todos ao seu redor, em vez de nascer convencionalmente como um bebê, ele nasce como um idoso na faixa dos 70 anos! Não apenas sua aparência denota tal idade: seus comportamentos e seu modo de pensar também são típicos de um idoso. Além disso, com o passar dos anos, Benjamin Button rejuvenesce em vez de envelhecer, tornando-se, no fim de sua vida, um bebê. Essa característica causa horror naqueles com que se encontra ao longo da vida, precisando lidar com a descrença das pessoas (afinal, sempre aparentou ter uma idade completamente diferente daquela que realmente tinha), com preconceitos e até com humilhações. 




Através de poucas páginas, a obra, que possui uma narrativa bastante envolvente, permite ao leitor refletir sobre o tempo, a vida e a questão das aparências na sociedade. Quando Benjamin Button nasceu, por exemplo, seu pai se preocupou com o que a sociedade iria dizer a respeito, e sempre tentou fazer com que o filho agisse como uma criancinha e que tivesse interesses infantis - mesmo que não fosse, na realidade, uma. 


Ele [Benjamin] até conseguiu, acidentalmente, quebrar uma janela da cozinha com a pedrada de um estilingue, feito que secretamente encantou seu pai.

Depois disso, Benjamin planejou quebrar alguma coisa todos os dias, mas fez isso apenas porque era o que se esperava dele e porque ele era, por natureza, amável. 


Ademais, embora seu relógio seja invertido em relação às outras pessoas da sociedade, ele não consegue escapar  do tempo. Em diversos momentos da narrativa, aqueles que convivem com ele o culpam por não conseguir conter seu rejuvenescimento e por sua aparência, como se ele pudesse controlar os efeitos implacáveis do tempo sobre seu corpo. É bastante absurdo, se você parar para refletir. Afinal, ele não conseguia impedir que rejuvenescesse e ele não escolheu que isso acontecesse. Entretanto, não é isso que ocorre em nossa realidade (só que, ao invés de rejuvenescer, nós envelhecemos)? Existe uma busca incessante em nossa sociedade com relação ao controle de nosso próprio corpo, em nos manter eternamente jovens - como se isso fosse possível. Em retardar o envelhecimento. São milhares e milhares de produtos fabricados e vendidos diariamente sob esse pretexto, mas, no fim das contas, o tempo sempre passa e sempre escapa por nossos dedos. Então, é bastante inteligente como o autor possibilita que questionemos isso: ele o faz não através de uma narrativa convencional, mas por meio de um absurdismo que escancara ainda mais a maneira como lidamos com a passagem do tempo. 


Gostaria que certos aspectos tivessem sido mais explorados e que a história fosse maior para permitir isso. Todavia, é um conto, então é natural que a narrativa seja realmente rápida e que não se apegue a detalhes da vida dos personagens e de suas personalidades. Não acho que isso seja ruim, nem que reduza a qualidade da história ou que a torne superficial, pois o conto foi muito bem escrito. Na verdade, creio que senti isso porque fiquei com gostinho de quero mais, e porque considerei a história realmente interessante! 

Portanto, "O Curioso Caso de Benjamin Button" está bastante recomendado! É uma leitura bem fácil e instigante, que creio que valha a pena ser feita ;)



sábado, 27 de setembro de 2025

Resenha: "Perguntaram-me se acredito em Deus"

setembro 27, 2025 0 Comments
PERGUNTARAM-ME SE ACREDITO EM DEUS
Autor:
 Rubem Alves
Editora: Paidós
Número de páginas: 176
Nota: 4,5/5 ⭐

 

Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta, o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo. No entanto, as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que elas dão o nome de 'Casa de Deus'. Mas se Deus mora numa casa, estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra...


Essa semana fiz a leitura de "Perguntaram-me se acredito em Deus", obra que nasceu a partir de uma indagação feita a Rubem Alves, autor do livro, ao final de um debate sobre educação promovido em 2007. Assim, somos permeados por uma narrativa poética e muito bonita que busca levantar reflexões acerca dessa pergunta que, acredito, já invadiu o pensamento de todos nós. É, portanto, um livro bastante espirituoso - e não necessariamente religioso, então pensei ser uma boa pedida para mim, pois gostaria de me conectar mais com meu lado espiritual, pois recentemente iniciei minha preparação para a crisma e porque o título da obra sempre me chamou a atenção. 


Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos. Cada religião é uma sonata: uma rede de temas. Escolhi os cacos de que mais gosto para fazer o meu mosaico, o meu livro de estórias, a minha sonata, o meu altar à beira do abismo.


Nesse sentido, "Perguntaram-me se acredito em Deus" reflete acerca da figura divina em 22 pequenos capítulos, abordando temas como o amor, a natureza e vários outros, através de trechos da Bíblia e de inúmeras poesias. Isso é feito por meio da figura de Mestre Benjamin, que reúne pessoas em sua tenda e conta estórias relacionadas à espiritualidade.  Me conectei bastante com a visão de Deus apresentada no livro, e compartilho da concepção do autor. Muitos, por exemplo, acreditam que basta ir à Igreja todas as semanas e rezar constantemente para se estar conectado a Deus e para ser bom, mas isso não basta. Na realidade, não creio nem que seja necessário, embora seja válido, é claro. Há mais Deus naqueles que verdadeiramente praticam o bem e que buscam admirar as belezas da vida, que admitem os próprios erros e que buscam genuinamente evoluir, reconhecendo que a caminhada é mais bonita quando compartilhada. Mesmo que não acreditem em Deus, há Deus nessas pessoas. Inclusive, creio que seja um ótimo livro para todos, mesmo para aqueles que são ateus, por conta das temáticas universais retratadas e da forma como elas são desenvolvidas: com muita leveza e com uma linguagem encantadoramente singela e poética! Há, então, trechos bíblicos e trechos de poesias de autores como Alberto Caeiro (que muito aborda Deus em seus versos, como na poesia em que fala sobre o Deus criança - uma das minhas favoritas dele!), Cecília Meireles, Walt Withman (muito citado em "Sociedade do Poetas Mortos"), entre outros! 

Tem um lindo poema de Emily Dickson, transcrito no livro, que acredito que sumariza bem a abordagem que ele faz de Deus: 


Alguns guardam o Domingo indo à Igreja -

Eu o guardo ficando em casa - 

Tendo um Sabiá como cantor -

E um Pomar por Santuário. -

Alguns guardam o Domingo em vestes brancas -

Mas eu só uso minhas Asas -

E ao invés do repicar dos sinos da Igreja,

nosso pássaro canta - na palmeira.

É Deus que está pregando, pregador admirável - 

E o seu sermão é sempre curto.

Assim, ao invés de chegar ao Céu, só no final - 

eu o encontro o tempo todo no quintal.


Além disso, gostaria de destacar também a edição da editora Paidós. É belíssima! Chique e delicada, combina bastante com a narrativa apresentada. Há a presença de ilustrações que embelezam ainda mais o livro, combinando com determinados trechos que receberam destaque na edição. 



"Perguntaram-me se acredito em Deus" é, portanto, uma leitura rápida e muito bonita, que vale bastante a pena! Recomendo muito :) 

Ah, e se você tiver curiosidade para saber mais sobre o momento que fez com que esse livro nascesse, o momento em que Rubem Alves foi perguntado se ele acreditava em Deus, leia o texto que ele mesmo escreveu à Folha de São Paulo na época, sobre o episódio (acesse clicando aqui). Vale a pena! :)


MAIS ALGUMAS CITAÇÕES FAVORITAS 🌸


"E esse caracol de sons foi enrolando tudo, tomando a forma de um homem e de uma mulher que se abraçavam e se separavam, por vezes entravam um dentro do outro de tal forma que nem era possível saber qual era qual, e Deus entrou na dança, corpos nus, e achavam bonita a nudez porque eram crianças que brincavam uma com a outra, o corpo da mulher era brinquedo para o homem, o corpo do homem era brinquedo para a mulher, e, de vez em quando, eles desapareciam numa explosão de cores e perfumes, e Deus se viu refletido pela primeira vez nos olhos deles, duas crianças, homem e mulher..." - Página 34

" 'Quantas pessoas aqui na minha tenda estão pensando no ar?' ele perguntou. 'Por favor, levantem uma mão...'
Ninguém levantou a mão..
'Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é o ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida, e não precisamos pensar nele nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo, é porque está se afogando... [...]' " - Página 55



"Tudo o que vive é pulsação do sagrado." -
 Página 57

"Somos poemas encarnados. Somos as estórias que moram em nós." - Página 94 

"[...] Não fiquem inquietos por aquilo que ainda não aconteceu e nem se sabe se acontecerá. Tratem de cuidar dos males do amanhã, amanhã. O mal de cada dia é suficiente para aquele dia." - Página 137. Essa aqui me lembrou uma passagem de "A Boy Named Charlie Brown", de 1969. Vou colocá-la aqui embaixo! 



segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Sobre "O Grande Hotel Budapeste"!

setembro 15, 2025 0 Comments
O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Diretor:
 Wes Anderson
Elenco Principal: Ralph Fiennes, Tony Revolori, F. Murray Abraham, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Jude Law, Saoirse Ronan, Tilda Swinton, Edward Norton
Ano: 2014
Onde assistir: Disney+
Nota: 4,5/5 ⭐

Ontem assisti a "O Grande Hotel Budapeste", terceiro filme de Wes Anderson que vejo. O primeiro foi "Moonlight Kingdom", que detestei fortemente (comentei melhor lá no meu Letterboxd:  https://letterboxd.com/mariaritamd/film/moonrise-kingdom/). Por conta disso, fiquei com um certo pé atrás em ver outro longa do diretor, mas semana passada assisti "O Fantástico Senhor Raposo" e fiquei maravilhada e com vontade de ver outro! Assim, cheguei ao "Grande Hotel Budapeste", longa mais aclamado do diretor. Aliás, Wes Anderson é bastante conhecido pelo seu estilo único de direção e pela forma como a fotografia é bem trabalhada em seus filmes, além de contar histórias um tanto excêntricas. "O Grande Hotel Budapeste" não foge à regra, mas, ao contrário de seu antecessor, "Moonrise Kingdom", seu mérito não parece residir unicamente nos aspectos visuais, apresentando um enredo realmente interessante no qual torcemos pelos personagens. 

Nesse sentido, o filme se desenrola a partir da leitura do livro "O Grande Hotel Budapeste", desenvolvido a partir de uma conversa entre o escritor (Tom Wilskson/ Jude Law) e Zero Mustafa (F. Murray Abraham/ Tony Revolori), dono do local. Quando ambos se conheceram, o lugar estava em decadência, mas, através do diálogo que travam, Zero conta a sua história a partir de sua relação com o hotel, remontando à década de 1930 e à efervescência do ambiente. Passamos, então, a acompanhar o concierge Gustave H. (Ralph Fiennes) e Zero em seus tempos de juventude, dupla protagonista do longa.
Gustave possuía o hábito de sair com várias senhoras mais velhas e ricas que se hospedavam no hotel, e, quando uma delas é assassinada e deixa um quadro para ele de herança, uma série de desavenças são desencadeadas em razão de disputas pelo patrimônio da mulher, principalmente por conta da figura de seu filho (Adrien Brody) e do capanga dele (Willem Dafoe). Os protagonistas, desse modo, precisam lidar com mortes, perseguições e falsas acusações de assassinato. 




Apesar de apresentar tais temáticas, "O Grande Hotel Budapeste" é divertidíssimo e bem leve! A forma como o enredo é desenvolvido chama a atenção e é realmente inteligente, recheado de metalinguagens, com uma "história dentro da história". Além disso, o humor é irreverente e, como já era de se esperar por ser uma marca do diretor, bastante excêntrico. O aspecto visual do longa potencializa essas características, sendo um verdadeiro deleite para os olhos! Ademais, o filme foi baseado na vida e nas obras de um escritor austríaco chamado Stefan Zweig, que inclusive residiu e faleceu aqui no Brasil. Não o conhecia, mas agora fiquei curiosa e vou buscar saber mais sobre ele! 




"O Grande Hotel Budapeste" me manteve genuinamente interessada em saber qual seria seu desfecho e em acompanhar como os eventos se desenrolariam, fazendo-me torcer pelos protagonistas. Recomendo!! E recomendo "O Fantástico Senhor Raposo" também, que, ao meu ver, embora seja bastante leve, é um pouco mais sério do que "O Grande Hotel Budapeste" - e talvez fale sobre ele aqui no blog no futuro. Talvez, se der na telha. Por ora, ficamos por aqui! :)