terça-feira, 4 de março de 2025

O brasileiro abriu a torneira da misoginia no "Oscar 2025"

março 04, 2025 0 Comments


Depois que saiu o resultado do Oscar desse ano, vejo muitas pessoas criticando a atriz Mikey Madison e o filme "Anora", proferindo falas misóginas e tomando atitudes infantis. Em vez de comemorarem a vitória de "Ainda Estou Aqui", primeiro filme brasileiro a vencer o Oscar - muito merecidamente, aliás - preferem focar na destilação de ódio e em discursos vazios. Isso tem me incomodado bastante, porque escancara um lado do brasileiro completamente passional, preconceituoso e birrento. 


É claro que eu estava torcendo muito para que Fernanda Torres ganhasse o Oscar de Melhor Atriz. Sua atuação foi impecável, muito contida e muito fiel à memória de Eunice Paiva, então ela merecia muito esse prêmio! Também torcia muito para que "Ainda Estou Aqui" vencesse a categoria de "Melhor Filme", embora soubesse ser esta uma realidade mais distante e improvável. Tudo bem discordar da premiação, mas absolutamente nada justifica essa onda de ódio e misoginia que estão proferindo na internet. 


Entre os comentários horríveis que tive o desprazer de ler, vi falarem que a Mikey Madison só ganhou por fazer "teste do sofá", que ela era uma "puta fazendo filme de puta", que Anora não merecia ganhar por retratar a prostituição (como se, automaticamente, a temática classificasse o longa como inferior), entre outras coisas horríveis. Tecer críticas à premiação, aos filmes e às atuações é normal, é bem-vindo, é esperado. No entanto, as "críticas" que estão fazendo são completamente equivocadas, vindas de pessoas que claramente não se deram ao trabalho de assistir ao longa antes de emitirem uma opinião. Uma coisa é você criticar a maneira como a temática da prostituição é desenvolvida em Anora, outra coisa completamente diferente é você reduzir o valor do longa por retratar essa camada da sociedade que é, sim, marginalizada e alvo de um machismo escancarado. É como se, por pensarem que uma injustiça foi cometida na premiação, os brasileiros tivessem o aval da misoginia para falarem o que bem entenderem. Para xingarem a atriz, que não teve culpa do resultado, para reduzirem o filme premiado apenas por retratar uma prostituta, para serem tão mesquinhos e odiosos sem o menor pudor. 


Quando saiu o resultado, eu nunca tinha visto Anora. Assisti apenas ontem, um dia depois do Oscar, pois é um mico muito grande sair por aí emitindo opiniões baseado puramente no efeito manada. Mas, aparentemente, é mais fácil não pensar por si próprio, crucificar ideias contrárias e agir com tamanho desrespeito. Aparentemente, pensar dá trabalho, e mais fácil é odiar pelo simples gosto de odiar.

A sociedade às vezes me assusta. 


Aliás, eu gostei de Anora. Não creio que seja superior a "Ainda Estou Aqui", e sigo discordando do resultado. A atuação de Mikey Madison não me impactou mais que a de Fernanda Torres (mas foi boa, sim), e sigo acreditando que não foi justo a brasileira ter "perdido". Escrevo "perdido" entre aspas, porque temos uma tendência gigante, como seres humanos, a focar nas derrotas, nos resultados adversos, mas essas coisas não anulam os momentos bons e as vitórias. E, neste momento, acho que deveríamos focar nas vitórias. Tantos prêmios, tantos brasileiros indo aos cinemas para prestigiar uma produção brasileira, que retrata a nossa história, tanto reconhecimento nacional e internacional. Essas coisas não contam? Poxa! Só as indicações, mesmo nas categorias em que perdemos no Oscar, são vitórias. 


De qualquer forma, mesmo discordando do resultado, isso me dá liberdade para destilar ódio por aí, como uma criança mimada e birrenta? Spoiler: não, não dá. O óbvio não precisava ser dito, mas aqui estamos. E, não é porque desejava que os resultados tivessem sido 100% favoráveis a nós, brasileiros, que a atriz e o filme vencedor são ruins. Disto isso, esse texto está longe de ser uma resenha sobre "Ainda Estou Aqui" (ela já existe, e você pode lê-la clicando aqui) ou sobre "Anora" (ela ainda não existe, mas quem sabe um dia. Ou não), mas irei falar rapidamente sobre o segundo filme. 


O longa acompanha a protagonista de mesmo nome ao se envolver com Vanya, um herdeiro russo ricaço e  mimado, vivendo com ele uma intensa semana de muita ostentação e luxúria. Ambos chegam, inclusive, a casar impulsivamente em Las Vegas. No entanto, tudo dá errado quando os pais do menino descobrem sobre o casamento e enviam seus capangas para forçarem a anulação do casamento entre Anora e Vanya. A partir daí, o "conto de fadas" transforma-se completamente e Anora percebe que sua realidade, difícil, não vai mudar. Que para o mundo, ela é apenas uma prostituta e é isso que determina o seu valor (ou a ausência dele).


E é isso. Há quem goste da forma como o enredo foi desenvolvido, há quem julgue que o diretor foi fetichista em determinados momentos, há quem concorde com a vitória, há quem discorde. Ainda não formei completamente minha opinião, preciso refletir mais, porém, de qualquer modo, creio que a crítica do longa é, sim, pertinente. Não acho que tenha sido uma vitória absurda. Não são duas horas de pura "putaria", como vi dizerem por aí. Há sim, cenas de sexo (na primeira metade elas são constantes), mas a partir de seu segundo ato elas se tornam bem menos frequentes, pois o foco da narrativa muda. Há muito falso moralismo nos discursos de ódio, muitos equívocos, hipocrisias, inverdades e bastante misoginia.  À propósito, muitos comentários proferidos contra Mikey Madison e seu filme apenas provam o ponto do filme, da marginalização das profissionais do sexo e da inferiorizarão que sofrem socialmente.


Assim sendo, vamos assistir antes de criticar. E, para criticar, sejamos respeitosos e pertinentes. Saibamos reconhecer nossas vitórias e nossas derrotas, mesmo na discordância. Saibamos separar as coisas. Saibamos reconhecer nossos preconceitos internalizados e desenvolver senso crítico o suficiente para combatê-los e não proferi-los por aí como se estivéssemos em uma terra sem lei (não estamos). Saibamos que a internet não é espaço para despejarmos o pior de nós, e que as atitudes no espaço virtual refletem impactos no mundo real. Saibamos o básico!


O brasileiro ainda tem muito a aprender.