segunda-feira, 31 de março de 2025

Resenha: "A morte de Ivan Ilitch"

março 31, 2025 0 Comments
A MORTE DE IVAN ILITCH
Autor:
 Lev Tolstói
Editora: Editora 34
Número de páginas: 96
Nota: 4,5/5 ⭐


Oi, pessoal! Ontem terminei a leitura de "A morte de Ivan Ilitch", novela famosa do escritor russo Lev Tolstói. Peguei emprestado da minha mãe, pois estava imersa num tédio profundo - as aulas da faculdade iniciam-se apenas lá na metade de maio, então estou com muito tempo livre (o que é ótimo, na realidade). Para me distrair, minha mãe sugeriu alguns livros da estante dela, e assim chegamos em "A morte de Ivan Ilitch". 


De início, admito que fiquei receosa em fazer essa leitura por se tratar de um clássico e ter em mim, mesmo que de forma inconsciente, a mentalidade - que reconheço equivocada, mas que se manifesta apesar dessa consciência - de que clássicos são livros difíceis de serem lidos e compreendidos. No entanto, quando minha mãe leu a sinopse da obra, me interessei e decidi que faria a leitura. Além disso, o livro é bastante curtinho (menos de 100 páginas!), o que já facilita. Surpreendentemente, foi uma leitura bastante tranquila e fácil de ser entendida, apresentando uma linguagem bastante acessível e uma história reflexiva realmente interessante. Agora estou com vontade de ler mais clássicos e de desmistificar tal pensamento equivocado! Ademais, a edição da Editora 34 ainda apresenta posfácio de seu tradutor, Boris Schnaiderman, e apêndice sobre a vida e obra de Tolstói, escrito por Paulo Rónai, que ajudam a dar maior dimensão e contexto para a obra.




"A morte de Ivan Ilitch" acompanha a vida do seu protagonista, que dá título à obra, e os seus momentos finais de existência, quando adoece gravemente e passa a refletir sobre a própria jornada, seus feitos e vivências. Ivan Ilitch era alguém que vivia de aparências, acreditando que fazer o que a sociedade esperava dele fosse o ideal a ser alcançado, fosse a fonte de sua felicidade, capaz de lhe fornecer uma vida "leve, agradável, alegre e sempre decente e aprovada pela sociedade". Assim, dedicou-se intensamente ao trabalho, alcançando um alto cargo, casou-se por pura conveniência (casar não por amor, mas porque o casamento é socialmente bem visto e incentivado), entre outras coisas. Todavia, ao sofrer uma queda e adoecer progressivamente após o acidente, Ivan questiona-se se esse modo de viver o fez realmente feliz, refletindo sobre suas escolhas e tentando lidar com a inevitável chegada da morte. Encontra amparo no seu criado Guérassim, enquanto para Ivan a presença de todos os outros aumenta o seu sofrimento, irritando-o as mentiras acerca de seu estado de saúde - como se fosse menos grave do que realmente é - e encontrando apoio somente em Guérassim.


Muitos aspectos do livro chamaram a minha atenção. Seu primeiro capítulo, por exemplo, retrata o velório de Ivan Ilitch, o impacto de sua morte na vida daqueles que conviveram com ele. E, entretanto, as pessoas estavam mais animadas com a perspectiva de ascenderem de posição na carreia em decorrência da vaga que Ivan Ilitch liberou ao falecer do que com a morte dele, além de pensarem "antes ele do que eu". Em outra parte da narrativa, quando podemos acompanhar as reflexões de Ivan em seus últimos momentos de vida, o seguinte trecho também me marcou:


O doutor dizia que os sofrimentos físicos dele eram terríveis, e dizia verdade; mas os seus sofrimentos morais eram mais terríveis que os físicos, e nisso consistia a sua tortura maior.


A obra, portanto, é um convite à reflexão acerca do modo como estamos levando a nossa vida. Ao final de tudo - e haverá um final, a única certeza, ironicamente, da vida - terá valido a pena? Viver visando agradar a sociedade é, realmente, uma forma de viver genuinamente satisfatória e valorosa? Nessa viagem sem retorno, como estamos vivendo?  Como bem disse Wisława Szymborska, em seu poema A Vida na Hora, "Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes/ ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez! / Mas já se avizinha a sexta-feira com um roteiro que não conheço". E, desse modo, "A morte de Ivan Ilitch" é um livro que, mesmo após mais de 100 anos de publicação, permanece perfeitamente atual e capaz de refletir a sociedade, mesmo que a do século XXI. Afinal, a morte, e consequentemente, - de forma aparentemente paradoxal - também a vida, são questões intrínsecas à existência, seja no século XIX, seja no século XXI. E para sempre. 


domingo, 30 de março de 2025

Inteligência Artificial não faz arte, faz cópia

março 30, 2025 0 Comments
Cena do filme "O Castelo Animado", de Hayao Miyazaki


Recentemente viralizou na internet uma trend (ou seja, tendência) que me deixou um tanto incomodada. A tendência em questão trata-se da criação de "artes" no estilo do Studio Ghibli geradas por Inteligência Artificial. Uma enxurrada de fotos dos mais variados tipo no estilo do Studio inundam a internet: são memes, fotografias de acervos pessoais, paisagens, cenas de filmes/séries, etc, tudo no estilo fofo já conhecido e consolidado. É uma tendência que copia escancaradamente o estilo dos artistas do Studio, particularmente de seu co-fundador Hayao Miyasaki, e traz consigo inúmeras problemáticas. 


É claro que não é uma moda que durará muito tempo. As coisas funcionam assim. Talvez em duas semanas nem seja mais lembrada, quiçá menos que isso. Ainda assim, creio que seja relevante comentar sobre o assunto, não por conta da trend em si, mas em decorrência do que ela representa dentro desse contexto de rápido avanço tecnológico que nós vivenciamos. 


Há alguns anos a Inteligência Artificial "artística" ascende na internet: são inúmeros desenhos feitos com o recurso, nos mais variados estilos e dos mais variados tipos. A tendência atual, de criar desenhos usando IA, não é recente, e já desponta com menos intensidade há algum tempo nas redes sociais. E o debate em torno do assunto também sempre existiu. Para contextualizar melhor, a Inteligência Artificial não é capaz de criar uma arte própria: ela se alimenta de várias artes pré-existentes, feitas por humanos, e, com base nelas, "cria" uma própria. Ou seja: não é uma arte original, por isso refiro-me a ela sempre entre aspas. É uma "arte" que copia obras e estilos desenvolvidos por seres humanos, entrando em questão aqui os Direitos Autorais desses artistas. 


Por que a sociedade não está disposta a pagar artistas reais para fazer tal trabalho, mas está disposta - como muita gente fez - a pagar uma Inteligência Artificial? Admito que muitos desenhos são bonitinhos e realmente fofos, é claro, mas é desgostoso pensar que foram criados como mera cópia barata de outros artistas, sem a dedicação humana que a arte impõe e sem a autorização expressa destes. Há muitos artistas de verdade, pessoas reais, que conseguem desenhar semelhantemente aos traços do Studio Ghibli, sem copiá-los e partir de um estilo próprio, mas a sociedade não está disposta a apoiá-los. 


Aliás, se pagassem artistas humanos para simplesmente copiarem o estilo do Studio Ghibli já seria algo errado. Pagarem uma Inteligência Artificial, então, anula o teor equivocado da questão? Obviamente, não! O lucro em cima da arte alheia só piora a questão, e essa é a maior problemática: como as empresas de IA estão lucrando em cima do trabalho de artistas. Acredito que a questão seja pior ainda porque Hayao Miyazaki (que, inclusive, está vivo e lançou filme inédito ano passado, O Menino e a Garça, vencedor do Oscar de Melhor Animação), já explicitou em anos anteriores que nunca usaria IA em seu trabalho e que a considera "um insulto à própria vida". 


O problema, para mim, não é a Inteligência Artificial em si, mas o uso que estamos fazendo dela. Ela pode (e deve!) ser nossa aliada, mas aqui estamos nós discutindo violação de direitos autorais e vendo trends do tipo despontando no universo on-line. 

O senso crítico parece se ausentar entre os seres humanos, que apenas seguem o efeito manada sem um questionamento real das problemáticas que tendências como esta implicam. Obviamente, nem todos têm consciência disso, das problemáticas envolvidas na tendência, então é crucial informar a razão de ser errado. Entretanto, muitas pessoas têm consciência acerca dos problemas envolvidos, e, ainda assim, escolhem fazer parte da trend. São nesses casos em que o senso crítico parece se ausentar, uma vez que é simplesmente ignorado. 


É claro que, como apaixonada pelos filmes do Studio e já tendo assistido a quase todos, uma parte de mim quis, curiosa, tentar fazer tal "arte" com a IA. E entendo quem queira fazer parte disso também, "brincar" com a IA. Mas pensei bem e não fiz. E não farei. Porque seria de uma hipocrisia tamanha ser admirada dos trabalhos do estúdio de animação e contribuir para a trend, uma vez que os filmes do Studio Ghibli são produzidos a partir de um intenso trabalho humano de desenho à mão e com a enorme dedicação que este tipo de trabalho exige, e, como afirmei antes, as imagens geradas pela Inteligência Artificial sequer merecem a alcunha de arte. 


Enquanto isso, os desenvolvedores dessas tecnologias lucram rios e rios de dinheiro, apoiando-se no trabalho alheio. E ninguém questiona. Muito pelo contrário! Colaboram para este lucro, para esta desumanização da arte. Muito mais útil não seria, como sugerido antes, pagar um artista de verdade? Muito mais útil não seria, se agora de repente todos descobriram o estilo do Studio Ghibli e se fascinaram por ele, assistir aos filmes?

São obras que refletem acerca de questões humanas, como a nossa relação com o meio-ambiente (desenvolvida em vários longas, mas, em especial, em Princesa Mononoke), com as guerras (também desenvolvida em vários longas, mas destaco um de meus favoritos, Túmulo dos Vagalumes), com a nossa própria história (como em Da Colina Kokuriko), com as expectativas sociais (Como o belíssimo e favorito pessoal O Conto da Princesa Kaguya), com nós mesmos (como Sussurros do Coração), e tantas outras temáticas, abordadas em tantos filmes!


Mas isso não está por detrás da tendência. É apenas seguir os outros, seguir os outros e fazer tudo o que fazem, seguir os outros, fazer tudo o que fazem e não ficar de fora. Porque ficar de fora do que está em alta na internet é o inconcebível. Há tantas tendências legais que às vezes despontam, mas há outras são realmente lamentáveis... e há quem diga que a reclamação é chatice, besteira... Mas está bem longe de ser. E o que mais lamento, dentre as tantas coisas que aqui lamentei, é a dessensibilização frente à desumanização da arte. 


Não podemos normalizar "arte de IA". Porque a trend, é claro, irá passar. Mas a Inteligência Artificial permanecerá aqui, e temos que aprender a lidar com ela, temos que compreender as questões atreladas à ela. Nem todos têm acesso a esse tipo de informação, e por isso não julgo quem segue a tendência por desconhecimento, mas é preciso que as pessoas que detêm as informações parem de contribuir para esse tipo de coisa e passem a questionar, a informar. É preciso que a Inteligência Artificial seja regulamentada. É preciso muita coisa ainda. 


Questionar é um bom começo.

terça-feira, 25 de março de 2025

Resenha: "Júbilo, memória, noviciado da paixão"

março 25, 2025 0 Comments
JÚBILO, MEMÓRIA, NOVICIADO DA PAIXÃO
Autora:
 Hilda Hilst
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 136
Nota: 3,8/5 ⭐

Se te pareço noturna e imperfeita \ Olha-me de novo


Oi, pessoal! No fim de semana passado, além do terceiro volume de Perfect World (já resenhado aqui no blog), também fiz a leitura da obra "Júbilo, memória, noviciado da paixão", um dos livros mais famosos da escritora brasileira Hilda Hilst. Publicado originalmente em 1974, a edição atual apresenta-se como um livro de bolso, ideal para levarmos as poesias como companhia aonde formos! Eu, por exemplo, li durante uma viagem a São Miguel dos Milagres, região praiana de Alagoas. Também gostaria de dizer que fiquei sabendo do livro graças a um de seus poemas, presente em uma questão de Linguagens do ENEM, que respondi quando estudava para a prova. Como gostei da poesia, interessei-me por ler o livro completo e cá estamos nós! 


A obra é dividida em oito partes: "Dez chamamentos ao amigo", "O poeta inventa viagem, retorno e sofre de de saudade", "Moderato Cantabile", "Ode descontínua e remota para flauta e aboé", "De Ariana para Dionísio" (referenciando a Mitologia Grega), "Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor", "Árias pequenas. Para bandolim" e "Poemas aos homens do nosso tempo". Ufa! 

De uma forma geral, os poemas retratados no livro falam do amor de modo bastante intenso e cheio de musicalidade. São poesias curtas e bonitas, completamente apaixonadas e com elementos sutis de erotismo. Outros temas bastante abordados são o fazer poético e a morte, temáticas muitas vezes apresentadas de maneira relacionada ao amor e com bastante naturalidade. Por fim, a última parte da obra é a que a mais se diferencia do restante, pois apresenta poemas com nítido viés político. 


Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me. \ E eu te direi que nosso tempo é agora

Poesia política que gostei bastante


Gostei da experiência de leitura, pois Hilda apresenta um estilo de escrita interessante e diferente do que já havia lido. A intensidade em seu modo de escrever realmente me chamou a atenção: tudo é muito forte, cheio de significância, sem arrodeios. 


Ademais, apesar de curtinhas, não diria que as poesias, em geral, são fáceis: é preciso ler com atenção, e, em certos momentos, mais de uma vez. Por isso, inclusive, busquei outras resenhas e matérias sobre a obra como uma forma de ampliar a minha perspectiva sobre a leitura e me ajudar a compreendê-la melhor. Assim, deparei-me com um vídeo maravilhoso e bastante enriquecedor: este aqui, de Aline Aimée! Inclusive, recomendo que você assista também, pois é muito prazeroso escutar gente inteligente falando com entusiasmo sobre algum tópico, e esse vídeo também possibilita (pelo menos me possibilitou) ampliar meu olhar sobre "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão" e compreender melhor as poesias. E também deparei-me com essa matéria aqui, do Jornalismo Júnior, dos estudantes de Jornalismo da USP, que igualmente recomendo a leitura: é só clicar aqui :)


Porque tu sabes que é de poesia / Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio, / Que a teu lado te amando, / Antes de ser mulher sou inteira poeta.


Foi uma boa leitura e recomendo para aqueles que gostam de poesia e querem ter (assim como eu) um primeiro contato com a escrita de Hilda Hilst! 


sexta-feira, 21 de março de 2025

Resenha: "A Bolsa Amarela", de Lygia Bojunga

março 21, 2025 0 Comments
A BOLSA AMARELA 
Autora:
 Lygia Bojunga
Editora: Casa Lygia Bojunga
Número de páginas: 140
Nota: 4,3/5 ⭐


Oi, pessoal! Ontem terminei de ler "A Bolsa Amarela", clássico da literatura infantojuvenil brasileira, publicado originalmente em 1976 e relevante até os dias atuais. Li em menos de 24 horas, justamente por ser um livro bem curtinho, fácil de ler, leve e agradável. Lembrou-me da minha própria infância - não tão distante assim - e de como eu agia, pensava e me sentia naquela época. Também me fez recordar sobre as leituras que fazia em tais dias (sempre gostei de ler, e orgulhosamente me denominava "tracinha literária" hahaha), como as obras de Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Monteiro Lobato, entre outros...

Assim, "A Bolsa Amarela" é uma obra que dialoga bastante com a criança que somos e fomos, estando altamente recomendado para pessoas de todas as idades! 


O livro acompanha Raquel, uma menina que possui três grandes vontades: ser gente grande, pois é constantemente silenciada pelos adultos a sua volta, ser garoto, porque acredita que assim teria mais liberdade, e tornar-se escritora, dando vazão à sua imaginação e expressando seus pensamentos e sentimentos.

Após receber uma enorme bolsa amarela, ela decide esconder suas vontades no local (porém, quanto mais a garota as reprime, mais elas crescem e pesam na bolsa). Além de suas vontades, ela também esconde os galos Afonso (fruto de uma das histórias que escreveu) e Terrível, um galo de briga, a Guarda-Chuva (sim, com artigo feminino!), um alfinete de fralda e uma série de nomes que gosta. Em meio à sua imaginação fértil, Raquel precisa lidar consigo mesma e com suas questões, além de enfrentar inúmeros desafios para ajudar seus amigos secretos. 


- Porque eu acho muito melhor ser homem do que mulher.

Ele me olhou bem sério. De repente riu:

- No duro?

- É, sim. Vocês podem um monte de coisas que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele é sempre um garoto. Que nem chefe de família: é sempre o homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo do jogo que eu gosto, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só a gente bobear que fica burra: todo mundo tá sempre dizendo que vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser chefe de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que - puxa vida! - vocês é que vão ter tudo. Até pra resolver casamento - então eu não vejo? - a gente fica esperando vocês decidirem. A gente tá sempre esperando vocês resolverem as coisas pra gente. Você quer saber de uma coisa? Eu acho fogo ter nascido menina.




A obra aborda temáticas como a autodescoberta e o uso da imaginação, através da protagonista e dos outros personagens. O galo Afonso, por exemplo, fugiu de seu galinheiro pois seus donos diziam que ele deveria tomar conta das galinhas e tomar decisões por elas, pois essa era a tradição entre os galos da família: "Mas eu não era que nem meu avô, meu bisavô, meu tataravô, o que é que eu podia fazer? Eu sei que ia ser muito mais fácil eu continuar pensando igualzinho a eles. Mas eu não pensava, e daí?",  sonhando em encontrar um ideal e lutar por ele. Então, é de fato bastante interessante como Lygia Bojunga aborda temas cotidianos e humanos de forma lúdica e simples, refletindo sobre o mundo ao nosso redor - e o interior também.


Creio que é muito fácil identificar-se com Raquel e com seus dilemas e vivências. Quando era criança, amava "brincar de imaginar", e, como sou filha única, ficava muito tempo com minha imaginação, inventando histórias e personagens. Também amava escrever (ainda amo), tenho até hoje pastas cheias de textos antigos frutos da minha criatividade infantil e também sonhava (ainda sonho) em ser escritora. Também me indignava, em alguns momentos, com o tratamento que os adultos muitas vezes davam às crianças, como se não pudéssemos ter vontade, expressão e questões próprias. Assim como Raquel, assim como muitas crianças. Acredito, então, que a leitura foi feita por duas versões de mim mesma: a de dezoito anos, que está escrevendo esta resenha, e a minha versão infantil, que ainda mora aqui.


Às vezes a gente quer muito uma coisa e então acha que vai querer a vida toda. Mas aí o tempo passa. E o tempo é o tipo de coisa que adora mudar tudo. Um dia ele muda você e pronto: você enjoa de ser pequena e vai querer crescer.


Foi uma leitura bastante agradável, divertida e adorável! Já quero ler outras obras de Lygia Bojunga! Esta aqui, como dito anteriormente, está bastante recomendada. Um livro para aqueles que são ou foram crianças um dia, ou seja: todos nós...


quarta-feira, 19 de março de 2025

Resenha: "Perfect World - Volume 3"

março 19, 2025 0 Comments
PERFECT WORLD - VOLUME 3
Autora:
 Rie Aruga
Editora: New Pop
Número de páginas: 168
Nota: 3,6/5 ⭐

Durante esse fim de semana, li o terceiro volume da série de mangá "Perfect World". Os outros dois anteriores já foram resenhados aqui no blog, e você pode acessar as resenhas facilmente nos links: https://sementesliterariasbooks.blogspot.com/2025/01/resenha-perfect-world-volume-1.html (para ler a resenha do primeiro volume) e https://sementesliterariasbooks.blogspot.com/2025/03/resenha-perfect-world-volume-2.html (para ler a resenha do segundo volume). Além disso, informo desde já que este texto conterá, obviamente, spoilers dos volumes anteriores. 

O terceiro livro inicia-se logo após o acidente de Kawana na plataforma de trem, ocorrido no final do volume 2. A protagonista havia caído na ferrovia após passar mal, decorrente das altas doses de estresse e ansiedade que estava sofrendo por cobrar-se demais para ser uma boa namorada e saber cuidar bem de Ayukawa. Por não ter conseguido impedir que ela caísse, Ayukawa sente-se frustrado e culpado, sendo muito julgado pela família de Kawana, que é contra o relacionamento em razão do rapaz ser uma pessoa em cadeira de rodas. Assim, ao passar um tempo com sua família para recuperar-se do acidente (Kawana apenas quebrou a perna, e utiliza uma cadeira de rodas temporariamente no começo do volume), seus pais tentam convencê-la a terminar com o namorado. Além deles, Nagasawa, cuidadora extremamente irritante e arrogante de Ayukawa que é apaixonada por ele, e Koreeda, apaixonado por Kawana, também acreditam que eles não deveriam estar juntos. Desse modo, o relacionamento dos protagonistas torna-se fragilizado e está por um fio, sendo constantemente ameaçado pelas circunstâncias e pelas influências das pessoas ao redor. 


Dito isso: eu passei muita raiva nesse volume!! Se nos volumes antecessores eu fiquei: "ownn, que fofinho!", nesse foi a mais pura "passação" de raiva. O preconceito da família de Kawana e a forma como a culpam por querer estar com o Ayukawa (como se isso fosse um problema) é realmente muito irritante, ainda mais porque eles mal estão abertos a diálogo. Outra coisa que me irritou num nível profundo nesse volume foi a Nagasawa. Na verdade, no livro anterior ela já me irritava, mas, nossa, aqui ela se superou! Ela é muito grossa (especialmente com Kawana), arrogante e desrespeitosa. E a Kawana, embora realmente se defenda em alguns casos (como, por exemplo, com relação à sua família) tem muita dificuldade de se impor. Espero que nos próximos volumes a protagonista receba um desenvolvimento nesse sentido e aprenda a se impor mais e a expressar mais a sua própria voz, além de receber um cuidado maior com relação à sua ansiedade. Enfim! E sobre o Koreeda: embora a minha torcida ainda seja pelo Ayukawa (e não é necessário ser nenhum mágico para saber que eles vão ficar juntos no final, pois Perfect World é a história dos dois), eu gosto dele e o considero muito fofo. Espero que ele tenha um final legal na obra.

É isso! Estou ansiosa para ler o quarto volume e ver como essa história vai se desenrolar... só espero não passar tanta raiva quanto eu passei com esse aqui (embora tenha gostado do terceiro volume)!

Resenha: "Na Última Vaga"

março 19, 2025 0 Comments
NA ÚLTIMA VAGA
Autor:
 Kleiton Ferreira
Editora: Labrador
Número de páginas: 192
Nota: 3,8/5 ⭐


Oi, pessoal! Hoje trago a resenha do livro "Na Última Vaga", do Juiz Federal Kleiton Ferreira, bastante ativo nas redes sociais. Ganhei de presente dos meus tios após receber a notícia de que havia sido aprovada em Direito na Federal de meu estado, a UFS. Não acompanhava o Kleiton nas redes sociais, mas já havia visto alguns vídeos seus, e minha mãe e minha tia gostam bastante dele e das suas condutas no meio jurídico. Além de juiz, ele também é escritor, e "Na Última Vaga" é a apenas um de seus livros!

A obra é dividida em três partes: "Eu, o Kleiton", seção autobiográfica do livro, "O mundo dos concursos", em que o autor dá uma série de dicas para quem deseja prestar concursos, e "Sangue, suor e muitas lágrimas", parte que encerra a obra com alguns textos motivacionais. Desse modo, "Na Última Vaga" é, na prática, uma mistura de autobiografia e de autoajuda.  



Em "Eu, o Kleiton", o juiz fala um pouco sobre a sua trajetória: os percalços em seu caminho, os erros os acertos, os empregos que teve, a sua mudança de postura na vida... tudo com bastante transparência, inspirando o leitor que se depara com um relato sincero e humano. 

Admito que a segunda parte me soou um tanto tediosa a princípio, porque ainda não adentrei nesse universo de fazer concursos e pensei, inicialmente, que o livro seria inteiramente autobiográfico. Entretanto, prossegui a leitura pois reconheço a utilidade das dicas que Kleiton dá e sei que serão muito proveitosas para a Maria Rita do futuro. Aliás, as dicas são muito boas, explicadas de forma simples e prática. 



Na última parte da obra, como já mencionado, Kleiton escreve alguns textos motivacionais, refletindo sobre a necessidade de se manter resiliente diante do processo e das reprovações (que fazem parte dele), sobre espiritualidade, entre outras coisas.

"Na Última Vaga" é um livro de linguagem fácil e acessível, inspirador e realista. Recomendo para quem já acompanha Kleiton nas redes sociais e para aqueles que estão em busca de uma história inspiradora e de dicas bastante úteis para os estudos! 


terça-feira, 11 de março de 2025

Resenha: "Perfect World - Volume 2"

março 11, 2025 0 Comments
PERFECT WORLD - VOLUME 2
Autora:
 Rie Aruga
Editora: New Pop
Número de páginas: 168
Nota: 4/5 ⭐


Oi, pessoal! Em janeiro, terminei de ler o segundo volume do mangá "Perferct World". O primeiro volume, que li em dezembro do ano passado, já foi resenhado aqui no blog: https://sementesliterariasbooks.blogspot.com/2025/01/resenha-perfect-world-volume-1.html. Caso você ainda não tenha lido o primeiro livro de "Perfect World", aviso desde já que esta resenha conterá spoilers do primeiro mangá, então siga por sua conta e risco! 


Nesse segundo volume, podemos acompanhar o começo do relacionamento entre Kawana e Ayukawa, após o reencontro dos dois no volume anterior. É bastante interessante observar como essa relação se desenvolve, principalmente porque Ayukawa é uma pessoa em cadeira de rodas e, assim, mais camadas e particularidades são inseridas nesse contexto, além de ser bem fofo acompanhar o relacionamento entre eles. Entretanto as coisas começam a complicar quando Nagasawa, enfermeira cuidadora de Ayukawa, e Koreeda, antigo colega e amigo de Kawana, são introduzidos ao enredo, uma vez que essas novas personagens nutrem sentimentos pelos protagonistas. Outro fator complicador é a cobrança excessiva de Kawana sobre si mesma com relação a ser uma boa namorada para Ayukawa, especialmente no que concerne aos cuidados relacionados ao uso da cadeira de rodas. 



Como mencionei antes, é bem interessante acompanhar o desenvolvimento do relacionamento entre os protagonistas. Aqui, mais questões são aprofundadas e exploradas, como o preconceito da sociedade, as vivências de uma pessoa em cadeira de rodas e a ansiedade de Kawana. É uma leitura rápida e leve, mas que, ainda assim, consegue abordar temas pertinentes de forma bastante natural, característica que muito me agradou. Inclusive, gostei mais deste segundo volume do que do primeiro.


Enquanto isso, estou na expectativa pela leitura do terceiro volume e sigo gostando do desenrolar da história. Recomendo!


terça-feira, 4 de março de 2025

O brasileiro abriu a torneira da misoginia no "Oscar 2025"

março 04, 2025 0 Comments


Depois que saiu o resultado do Oscar desse ano, vejo muitas pessoas criticando a atriz Mikey Madison e o filme "Anora", proferindo falas misóginas e tomando atitudes infantis. Em vez de comemorarem a vitória de "Ainda Estou Aqui", primeiro filme brasileiro a vencer o Oscar - muito merecidamente, aliás - preferem focar na destilação de ódio e em discursos vazios. Isso tem me incomodado bastante, porque escancara um lado do brasileiro completamente passional, preconceituoso e birrento. 


É claro que eu estava torcendo muito para que Fernanda Torres ganhasse o Oscar de Melhor Atriz. Sua atuação foi impecável, muito contida e muito fiel à memória de Eunice Paiva, então ela merecia muito esse prêmio! Também torcia muito para que "Ainda Estou Aqui" vencesse a categoria de "Melhor Filme", embora soubesse ser esta uma realidade mais distante e improvável. Tudo bem discordar da premiação, mas absolutamente nada justifica essa onda de ódio e misoginia que estão proferindo na internet. 


Entre os comentários horríveis que tive o desprazer de ler, vi falarem que a Mikey Madison só ganhou por fazer "teste do sofá", que ela era uma "puta fazendo filme de puta", que Anora não merecia ganhar por retratar a prostituição (como se, automaticamente, a temática classificasse o longa como inferior), entre outras coisas horríveis. Tecer críticas à premiação, aos filmes e às atuações é normal, é bem-vindo, é esperado. No entanto, as "críticas" que estão fazendo são completamente equivocadas, vindas de pessoas que claramente não se deram ao trabalho de assistir ao longa antes de emitirem uma opinião. Uma coisa é você criticar a maneira como a temática da prostituição é desenvolvida em Anora, outra coisa completamente diferente é você reduzir o valor do longa por retratar essa camada da sociedade que é, sim, marginalizada e alvo de um machismo escancarado. É como se, por pensarem que uma injustiça foi cometida na premiação, os brasileiros tivessem o aval da misoginia para falarem o que bem entenderem. Para xingarem a atriz, que não teve culpa do resultado, para reduzirem o filme premiado apenas por retratar uma prostituta, para serem tão mesquinhos e odiosos sem o menor pudor. 


Quando saiu o resultado, eu nunca tinha visto Anora. Assisti apenas ontem, um dia depois do Oscar, pois é um mico muito grande sair por aí emitindo opiniões baseado puramente no efeito manada. Mas, aparentemente, é mais fácil não pensar por si próprio, crucificar ideias contrárias e agir com tamanho desrespeito. Aparentemente, pensar dá trabalho, e mais fácil é odiar pelo simples gosto de odiar.

A sociedade às vezes me assusta. 


Aliás, eu gostei de Anora. Não creio que seja superior a "Ainda Estou Aqui", e sigo discordando do resultado. A atuação de Mikey Madison não me impactou mais que a de Fernanda Torres (mas foi boa, sim), e sigo acreditando que não foi justo a brasileira ter "perdido". Escrevo "perdido" entre aspas, porque temos uma tendência gigante, como seres humanos, a focar nas derrotas, nos resultados adversos, mas essas coisas não anulam os momentos bons e as vitórias. E, neste momento, acho que deveríamos focar nas vitórias. Tantos prêmios, tantos brasileiros indo aos cinemas para prestigiar uma produção brasileira, que retrata a nossa história, tanto reconhecimento nacional e internacional. Essas coisas não contam? Poxa! Só as indicações, mesmo nas categorias em que perdemos no Oscar, são vitórias. 


De qualquer forma, mesmo discordando do resultado, isso me dá liberdade para destilar ódio por aí, como uma criança mimada e birrenta? Spoiler: não, não dá. O óbvio não precisava ser dito, mas aqui estamos. E, não é porque desejava que os resultados tivessem sido 100% favoráveis a nós, brasileiros, que a atriz e o filme vencedor são ruins. Disto isso, esse texto está longe de ser uma resenha sobre "Ainda Estou Aqui" (ela já existe, e você pode lê-la clicando aqui) ou sobre "Anora" (ela ainda não existe, mas quem sabe um dia. Ou não), mas irei falar rapidamente sobre o segundo filme. 


O longa acompanha a protagonista de mesmo nome ao se envolver com Vanya, um herdeiro russo ricaço e  mimado, vivendo com ele uma intensa semana de muita ostentação e luxúria. Ambos chegam, inclusive, a casar impulsivamente em Las Vegas. No entanto, tudo dá errado quando os pais do menino descobrem sobre o casamento e enviam seus capangas para forçarem a anulação do casamento entre Anora e Vanya. A partir daí, o "conto de fadas" transforma-se completamente e Anora percebe que sua realidade, difícil, não vai mudar. Que para o mundo, ela é apenas uma prostituta e é isso que determina o seu valor (ou a ausência dele).


E é isso. Há quem goste da forma como o enredo foi desenvolvido, há quem julgue que o diretor foi fetichista em determinados momentos, há quem concorde com a vitória, há quem discorde. Ainda não formei completamente minha opinião, preciso refletir mais, porém, de qualquer modo, creio que a crítica do longa é, sim, pertinente. Não acho que tenha sido uma vitória absurda. Não são duas horas de pura "putaria", como vi dizerem por aí. Há sim, cenas de sexo (na primeira metade elas são constantes), mas a partir de seu segundo ato elas se tornam bem menos frequentes, pois o foco da narrativa muda. Há muito falso moralismo nos discursos de ódio, muitos equívocos, hipocrisias, inverdades e bastante misoginia.  À propósito, muitos comentários proferidos contra Mikey Madison e seu filme apenas provam o ponto do filme, da marginalização das profissionais do sexo e da inferiorizarão que sofrem socialmente.


Assim sendo, vamos assistir antes de criticar. E, para criticar, sejamos respeitosos e pertinentes. Saibamos reconhecer nossas vitórias e nossas derrotas, mesmo na discordância. Saibamos separar as coisas. Saibamos reconhecer nossos preconceitos internalizados e desenvolver senso crítico o suficiente para combatê-los e não proferi-los por aí como se estivéssemos em uma terra sem lei (não estamos). Saibamos que a internet não é espaço para despejarmos o pior de nós, e que as atitudes no espaço virtual refletem impactos no mundo real. Saibamos o básico!


O brasileiro ainda tem muito a aprender.