terça-feira, 4 de março de 2025

O brasileiro abriu a torneira da misoginia no "Oscar 2025"

março 04, 2025 0 Comments


Depois que saiu o resultado do Oscar desse ano, vejo muitas pessoas criticando a atriz Mikey Madison e o filme "Anora", proferindo falas misóginas e tomando atitudes infantis. Em vez de comemorarem a vitória de "Ainda Estou Aqui", primeiro filme brasileiro a vencer o Oscar - muito merecidamente, aliás - preferem focar na destilação de ódio e em discursos vazios. Isso tem me incomodado bastante, porque escancara um lado do brasileiro completamente passional, preconceituoso e birrento. 


É claro que eu estava torcendo muito para que Fernanda Torres ganhasse o Oscar de Melhor Atriz. Sua atuação foi impecável, muito contida e muito fiel à memória de Eunice Paiva, então ela merecia muito esse prêmio! Também torcia muito para que "Ainda Estou Aqui" vencesse a categoria de "Melhor Filme", embora soubesse ser esta uma realidade mais distante e improvável. Tudo bem discordar da premiação, mas absolutamente nada justifica essa onda de ódio e misoginia que estão proferindo na internet. 


Entre os comentários horríveis que tive o desprazer de ler, vi falarem que a Mikey Madison só ganhou por fazer "teste do sofá", que ela era uma "puta fazendo filme de puta", que Anora não merecia ganhar por retratar a prostituição (como se, automaticamente, a temática classificasse o longa como inferior), entre outras coisas horríveis. Tecer críticas à premiação, aos filmes e às atuações é normal, é bem-vindo, é esperado. No entanto, as "críticas" que estão fazendo são completamente equivocadas, vindas de pessoas que claramente não se deram ao trabalho de assistir ao longa antes de emitirem uma opinião. Uma coisa é você criticar a maneira como a temática da prostituição é desenvolvida em Anora, outra coisa completamente diferente é você reduzir o valor do longa por retratar essa camada da sociedade que é, sim, marginalizada e alvo de um machismo escancarado. É como se, por pensarem que uma injustiça foi cometida na premiação, os brasileiros tivessem o aval da misoginia para falarem o que bem entenderem. Para xingarem a atriz, que não teve culpa do resultado, para reduzirem o filme premiado apenas por retratar uma prostituta, para serem tão mesquinhos e odiosos sem o menor pudor. 


Quando saiu o resultado, eu nunca tinha visto Anora. Assisti apenas ontem, um dia depois do Oscar, pois é um mico muito grande sair por aí emitindo opiniões baseado puramente no efeito manada. Mas, aparentemente, é mais fácil não pensar por si próprio, crucificar ideias contrárias e agir com tamanho desrespeito. Aparentemente, pensar dá trabalho, e mais fácil é odiar pelo simples gosto de odiar.

A sociedade às vezes me assusta. 


Aliás, eu gostei de Anora. Não creio que seja superior a "Ainda Estou Aqui", e sigo discordando do resultado. A atuação de Mikey Madison não me impactou mais que a de Fernanda Torres (mas foi boa, sim), e sigo acreditando que não foi justo a brasileira ter "perdido". Escrevo "perdido" entre aspas, porque temos uma tendência gigante, como seres humanos, a focar nas derrotas, nos resultados adversos, mas essas coisas não anulam os momentos bons e as vitórias. E, neste momento, acho que deveríamos focar nas vitórias. Tantos prêmios, tantos brasileiros indo aos cinemas para prestigiar uma produção brasileira, que retrata a nossa história, tanto reconhecimento nacional e internacional. Essas coisas não contam? Poxa! Só as indicações, mesmo nas categorias em que perdemos no Oscar, são vitórias. 


De qualquer forma, mesmo discordando do resultado, isso me dá liberdade para destilar ódio por aí, como uma criança mimada e birrenta? Spoiler: não, não dá. O óbvio não precisava ser dito, mas aqui estamos. E, não é porque desejava que os resultados tivessem sido 100% favoráveis a nós, brasileiros, que a atriz e o filme vencedor são ruins. Disto isso, esse texto está longe de ser uma resenha sobre "Ainda Estou Aqui" (ela já existe, e você pode lê-la clicando aqui) ou sobre "Anora" (ela ainda não existe, mas quem sabe um dia. Ou não), mas irei falar rapidamente sobre o segundo filme. 


O longa acompanha a protagonista de mesmo nome ao se envolver com Vanya, um herdeiro russo ricaço e  mimado, vivendo com ele uma intensa semana de muita ostentação e luxúria. Ambos chegam, inclusive, a casar impulsivamente em Las Vegas. No entanto, tudo dá errado quando os pais do menino descobrem sobre o casamento e enviam seus capangas para forçarem a anulação do casamento entre Anora e Vanya. A partir daí, o "conto de fadas" transforma-se completamente e Anora percebe que sua realidade, difícil, não vai mudar. Que para o mundo, ela é apenas uma prostituta e é isso que determina o seu valor (ou a ausência dele).


E é isso. Há quem goste da forma como o enredo foi desenvolvido, há quem julgue que o diretor foi fetichista em determinados momentos, há quem concorde com a vitória, há quem discorde. Ainda não formei completamente minha opinião, preciso refletir mais, porém, de qualquer modo, creio que a crítica do longa é, sim, pertinente. Não acho que tenha sido uma vitória absurda. Não são duas horas de pura "putaria", como vi dizerem por aí. Há sim, cenas de sexo (na primeira metade elas são constantes), mas a partir de seu segundo ato elas se tornam bem menos frequentes, pois o foco da narrativa muda. Há muito falso moralismo nos discursos de ódio, muitos equívocos, hipocrisias, inverdades e bastante misoginia.  À propósito, muitos comentários proferidos contra Mikey Madison e seu filme apenas provam o ponto do filme, da marginalização das profissionais do sexo e da inferiorizarão que sofrem socialmente.


Assim sendo, vamos assistir antes de criticar. E, para criticar, sejamos respeitosos e pertinentes. Saibamos reconhecer nossas vitórias e nossas derrotas, mesmo na discordância. Saibamos separar as coisas. Saibamos reconhecer nossos preconceitos internalizados e desenvolver senso crítico o suficiente para combatê-los e não proferi-los por aí como se estivéssemos em uma terra sem lei (não estamos). Saibamos que a internet não é espaço para despejarmos o pior de nós, e que as atitudes no espaço virtual refletem impactos no mundo real. Saibamos o básico!


O brasileiro ainda tem muito a aprender. 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Resenha: "Eu me lembro", autobiografia de Selton Mello

fevereiro 03, 2025 0 Comments
EU ME LEMBRO
Autor:
 Selton Mello
Editora: Jambô
Número de páginas: 344
Nota: 5/5 ⭐

Então como ator, como diretor, eu tenho fazer com que o público sinta alguma coisa, mais do que veja. Eu quero que ele sinta alguma coisa. E essa é uma das coisas mais bonitas que eu venho fazendo nesses quarenta anos. 

 

Desde que fiquei sabendo que Selton Mello havia lançado uma autobiografia, para comemorar seus 50 anos de vida e 40 anos de carreira, tinha ficado ansiosíssima para lê-la, pois admiro demais o ator que ele é. Assim, finalmente fiz essa leitura tão aguardada, e devo dizer que foi uma experiência bastante leve, divertida e uma verdadeira carta de amor ao cinema, especialmente ao nacional! Um livro cativante, que também foi a primeira biografia que li em minha vida!

"Eu me lembro" é construído a partir de perguntas feitas por convidados do Selton (40 pessoas ao todo) e das respostas dele, como se fosse uma espécie de entrevista. Através das respostas que escreve, o a(u)tor reflete sobre a própria trajetória no cinema e na vida pessoal, abordando situações que o impactaram e narrando a sua perspectiva de mundo, além de conversar diretamente com aquele que o entrevista e com o leitor. Essa estrutura da obra faz com que ela tenha ares de conversa, daquelas que você tem com amigos e que são leves e agradáveis, adjetivos que definem bem o tom da autobiografia. Desse modo, Selton Mello fala sobre o início de sua carreira, quando ainda era criança, sobre os trabalhos que fez (seja como ator, ou diretor, ou como os dois!), sobre a sua relação com a família, redes sociais e com si mesmo, entre outros assuntos, como os distúrbios de imagem que sofria e seu antigo hábito de tomar inibidores de apetite - tema muito sensível e abordado com bastante responsabilidade, além de ser muito atual, tendo em vista a dinâmica doentia propagada hoje em dia e refletida na alta demanda por remédios como o Ozempic. 



Por meio das páginas desse livro, pude conhecer um pouco mais sobre o Selton e sobre o cinema nacional, sendo uma experiência bastante enriquecedora! Adicionei vários filmes à minha lista, e a minha admiração pelo ator apenas cresceu. É nítido o quanto ele entende acerca daquilo que faz, e é muito bonito vê-lo falar com tanto afeto sobre a área na qual trabalha. Em muitos momentos, inclusive, ele homenageia nosso cinema, com seus diretores, atores e atrizes, a fim de manter viva essa memória rica de nossa cultura que o país, infelizmente, tende a fadar ao esquecimento. 

Além disso, não poderia deixar de comentar a edição belíssima de "Eu me lembro", muito bem trabalhada e refinada! Chamou a minha atenção assim que o livro chegou aqui em casa, pois está tudo muito bem organizado, está tudo muito bonito. Em diversas entrevistas, por exemplo, há citações em destaque, além de a autobiografia conter, também, uma série de fotografias do Selton Mello, desde a sua infância até a vida adulta. 



No meio dessa balbúrdia do cotidiano, tento enxergar a beleza do que se passa aqui dentro.

Dito isso, recomendo fortemente o livro para aqueles que, assim como eu, são fãs do Selton Mello e de cinema, desejando conhecer mais acerca de ambos. É uma ótima leitura!

Marcador que acompanha o livro!

Eu tenho grande interesse pela parte humana que escapa ao cálculo.

 

Verso do marcador que acompanha o livro, contendo uma citação do próprio Selton.

domingo, 19 de janeiro de 2025

Resenha: "Poemas", de Wisława Szymborska

janeiro 19, 2025 0 Comments

POEMAS
Autora:
 Wisława Szymborska
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 168
Nota: 4,8/5 ⭐

Prefiro o ridículo de escrever poemas \ ao ridículo de não escrevê-los. - "Possibilidades"

 

Oi, pessoal! Como vocês sabem, eu amo ler poesias, e ano passado foi este o gênero literário com o qual eu mais entrei em contato. Esse ano, o primeiro livro do gênero que eu li foi "Poemas", primeira coletânea de poesias da escritora polonesa vencedora do Nobel de 1996, Wisława Szymborska, publicado pela Companhia das Letras e organizado e traduzido por Regina Przybycien. Nunca tinha lido nada da autora, nem ouvido falar dela, mas estava buscando livros de poesia para adquirir e a Amazon recomendou "Para meu coração num domingo", terceira coletânea da escritora publicada pela editora. Porém o livro estava com um preço salgado, e, assim, acabei descobrindo "Poemas", que estava com o preço melhor. Nos comentários de avaliação, muitas pessoas o recomendavam e alguém até tinha postado uma poesia publicada na obra, "A Vida na Hora", que logo chamou a minha atenção e me motivou a comprar o livro. Dessa maneira, pude conhecer mais uma brilhante poetisa e entrar em contato com palavras que me comoveram e me fizeram refletir acerca da vida e da política.


E o quer que eu faça, \ vai se transformar pra sempre naquilo que fiz - "A Vida na Hora"

 

"Poemas" apresenta prefácio de Regina Przybycien, que introduz a obra falando um pouco sobre o estilo de escrita de Wisława e sua vida, sobre o contexto histórico pelo qual a Polônia passava e como isso pode ter exercido influência sobre suas poesias, além de fazer comparações com outros escritores poloneses, dissertar brevemente sobre o processo de tradução do livro e sobre alguns poemas. Recomendo fortemente que o prefácio seja lido, pois o contexto apresentado enriquece a experiência de leitura e nos permite compreender melhor as palavras de Wisława. Por exemplo: um dos poemas da coletânea é "A Mulher de Lot", que "retoma a história bíblica da destruição de Sodoma. A mulher de Lot, a quem a Bíblia dedica apenas um curto versículo dizendo que ela se voltou para cidade e foi transformada numa estátua de sal, passou a ser, na tradição popular, um símbolo da curiosidade feminina. No poema a personagem toma a palavra para explicar suas razões para ter olhado para trás enquanto fugia de Sodoma. [...]". Eu nem conhecia essa história, e teria ficado perdida se não fosse a explanação do prefácio! Quando li o poema, ele tomou, portanto, uma dimensão maior do que ele tomaria se eu não tivesse tal informação prévia. Desse modo, o prefácio é bem rico e bem escrito, complementando bem a obra. 



Em seguida, nos deparamos com os poemas em si. A linguagem de Wisława é simples, até um tanto crua, e evoca uma série de reflexões acerca de aspectos da vida cotidiana e acerca da vida política.  Alguns poemas me deixaram tão impactada que tive que parar de ler por uns segundos para refletir até retomar a leitura, como "O terrorista, ele observa", poesia que narra o momento de espera de um terrorista enquanto a bomba que ele armou não explode e "Certa Gente", que narra a trajetória de pessoas refugiadas. Outros poemas que gostei muito foram o já citado "A vida na hora", através do qual a autora compara a vida à uma peça de teatro improvisada, e "Possibilidades", em que Wisława descreve algumas de suas preferências sobre os mais diversos assuntos, e com o qual me identifiquei bastante. Há outras poesias também, é claro, que figuram entre minhas favoritas, como "Filhos da época", em que a escritora chama atenção para o fato de que todos os aspectos da nossa vida são aspectos políticos, e "A curta vida dos nossos antepassados", cujo conteúdo é autoexplicativo, mas não a sua maneira de construir o poema. E há outros que infelizmente não coloquei aqui, senão a resenha inteira seria só citando poesias hahaha!


Somos filhos da época \ e a época é política. [...] \\ Querendo ou não querendo, \ teus genes têm um passado político, \ tua pele, um matiz político, \ teus olhos, um aspecto político. \\ O que você diz tem ressonância \ o que silencia tem um eco \ de um jeito ou de outro político. - "Filhos da Época"

  

Dessa forma, gostei bastante da experiência e recomendo para todos aqueles que gostam de poesia, para quem busca reflexões sobre a nossa existência e para quem se atrai por versos politizados e altamente conscientes. Certamente quero ler as outras coletâneas da autora publicadas aqui no Brasil! Além disso, no final do livro, estão dispostos os poemas em seu idioma original, o polonês, e imagino que livros dessa língua não sejam comuns em nosso território, então, para quem estuda o idioma, está aí uma boa oportunidade para colocá-lo em prática! 



quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Resenha: "Perfect World - Volume 1"

janeiro 16, 2025 0 Comments
PERFERCT WORLD - VOLUME 1
Autora:
 Rie Aruga
Editora: New Pop
Número de páginas: 168
Nota: 3,6/5 ⭐


Oi, pessoal! Hoje trago a resenha do primeiro volume de "Perferct World", primeiro mangá que li (concluí a leitura em dezembro do ano passado, mas estou fazendo a resenha só agora)! No início, estranhei porque o sentido de leitura de um mangá é oposto ao que estamos acostumados: em vez de a leitura ser feita da esquerda para a direita, ela é feita da direita para a esquerda, mas depois me acostumei e foi bem tranquilo!


O primeiro volume de "Perferct World" acompanha os jovens Tsugumi Kawana e Itsuki Ayukawa, por quem Kawana era apaixonada durante a adolescência, a partir do reencontro dos dois em uma confraternização de um escritório de arquitetura. Ao rever Ayukawa, Kawana relembra os momentos que compartilharam no passado e os sentimentos que nutria, além de se surpreender ao descobrir que sua antiga paixão sofreu um acidente e agora utiliza cadeira de rodas. Assim, em decorrência do reencontro, ambos se reaproximam e Kawana poderá conhecer melhor a nova realidade de Ayukawa. 


O mangá é bem simples, nada extraordinário, mas é bem fofo. A relação entre os protagonistas é abordada de forma delicada e sensível, mas o maior mérito do quadrinho, na minha opinião, é a abordagem da deficiência de Ayukawa. Ao mesmo tempo em que Kawana descobre mais sobre o cotidiano de uma pessoa que usa cadeira de rodas, é permitido ao leitor compartilhar dessa descoberta, colocando-se no lugar de Ayukawa e presenciando os desafios pelos quais ele tem que passar: preconceitos, autoaceitação, complicações de saúde em decorrência de sua condição, etc. 



A edição é bem trabalhada e gostei bastante de como ela apresenta notas para explicar alguns termos e conceitos com os quais nós poderíamos não estar familiarizados, além de destacar como o trabalho de tradução foi cuidadoso em não usar nomenclaturas capacitistas, mas que, mesmo assim, eles ainda podem aparecer no mangá a depender do contexto. Creio que isso mostra o quanto a edição foi feita de forma cuidadosa, o que me agradou!


Por fim, já pedi o volume 2 na internet e estou aguardando chegar (provavelmente chega amanhã)! Assim que fizer a leitura, escreverei a resenha por aqui. Enquanto isso, recomendo a leitura do primeiro volume, especialmente para quem busca histórias leves, agradáveis e que permitam que conheçamos um pouco melhor da realidade das pessoas com deficiência! 😊


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Resenha: "Mais ou menos 9 horas"

janeiro 15, 2025 0 Comments
MAIS OU MENOS 9 HORAS
Autor:
 Vitor Martins
Editora: Globo Alt
Número de páginas: 254
Nota: 4/5 ⭐

Oi, pessoal! Hoje trago a resenha do livro "Mais ou menos 9 horas", quarto publicado por Vitor Martins e também o quarto que leio dele (sou fã mesmo!). 


A obra acompanha Júnior, um rapaz de quase 30 anos que precisa encarar uma viagem de ônibus de cerca de 9 horas para poder presenciar o enterro do pai, com quem mantinha uma relação distante e complexa. Para completar, o seu ex, Otávio, namorado da época da escola, senta-se ao lado dele no ônibus, fazendo com que uma série de lembranças do período da adolescência retornem: os sonhos, os medos, as frustrações e vários outros sentimentos e experiências. Assim, "Mais ou menos 9 horas" alterna passado e presente através das memórias e vivências de Júnior, que narra a própria história nas páginas deste livro, refletindo sobre o impacto do passado em seu presente e sobre quais são suas perspectivas para o futuro. No fim das contas, seu reencontro com Otávio e a recente morte do pai influenciam Júnior de forma profunda, possibilitando tais reflexões.


- A gente vai morrer um dia.

- Mas a gente vai viver todos os outros.  


É uma premissa bastante interessante, e a narrativa é leve e em certos momentos divertida, tendo me arrancado risadas com o humor irônico de Júnior. Apesar disso, foi o livro de Vitor Martins que menos gostei, pois creio que me conectei mais com suas outras histórias. Enfim!


Júnior é um personagem que em muitos momentos me irritou com sua imaturidade e atitudes impulsivas, mas ele evolui ao longo da história - pelo menos. O autor criou um personagem com defeitos, complexidades e inseguranças, mas também com suas qualidades e méritos, o que o torna mais real e humano. Afinal, ninguém é todo o tempo bom, o tempo todo mau. Na verdade, não apenas Júnior foi um personagem bem escrito, como Otávio também. Um rapaz aparentemente com a vida ganha, mas que se deparava com uma série de incertezas sobre si mesmo e sobre sua vida. Dessa forma, os personagens de Vitor Martins apresentam questões com as quais o leitor pode facilmente se identificar, pois eles não são perfeitos - mas quem é?



- Eu não era bom - ele anuncia com a voz grave, recolocando os óculos no rosto. - E tentei ficar bom por um tempo. Mas só me frustrava toda vez. Daí acabei abandonando porque, na minha cabeça, não valia a pena perder tempo com alguma coisa para no fim das contas ser só medíocre, sabe? - Ele faz uma careta, como se estivesse envergonhado com a própria resposta.

Faço uma careta porque "perder tempo com alguma coisa para no fim das contas ser só medíocre" poderia ser o título da minha biografia [...].

 

Foi uma boa história para passar o tempo, bastante humana, e gostei da abordagem dos temas: o sentimento de luto por um pai que nunca esteve presente e por quem não se nutria afeto, as inseguranças de um menino gay em uma cidade pequena, a baixa autoestima de Júnior e seus relacionamentos. São temas complexos, mas que foram abordados de forma responsável e leve. Recomendo! 


quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Resenha: "A Livraria dos Achados e Perdidos"

janeiro 09, 2025 0 Comments
A LIVRARIA DOS ACHADOS E PERDIDOS
Autora:
 Susan Wiggs
Editora: Harlequin
Número de páginas: 368
Nota: 3,5/5 ⭐


Oi, pessoal! No dia 06 desse mês terminei de ler a obra "A Livraria dos Achados e Perdidos", que ganhei de minha avó no Natal, e hoje trago a resenha :)


O livro narra a história de Natalie Harper, que possui um emprego estável e com bom salário em uma empresa de vinhos, mas no qual ela detesta trabalhar. No entanto, quando a sua mãe e o seu namorado sofrem um grave acidente de avião, falecendo na tragédia, Natalie precisa retornar para a sua cidade natal para cuidar da livraria que era administrada por sua mãe e para cuidar de seu avô, Andrew, que possui demência e sofre bastante com a doença. Ao retornar para o prédio que abriga a livraria e também os apartamentos de seu avô e de sua mãe, Natalie descobre a existência de uma série de dívidas e de problemas estruturais no local. Ela, então, começa a pôr em prática várias medidas para conseguir o dinheiro necessário para manter a livraria de pé, com a ajuda de seu avô, de seus amigos e do faz-tudo Peach, que vai trabalhar na livraria para recuperar a estrutura do lugar e que encanta Natalie. Além disso, com as obras, também são descobertos vários artefatos antigos (alguns pertencentes à própria família de Natalie), a partir dos quais a protagonista poderá descobrir mais sobre a história do lugar e sobre suas origens.


Para descobrir quem você é, lembre-se de quem você foi.

 

"A Livraria dos Achados e Perdidos" possui narração em 3° pessoa, com foco na perspectiva de Natalie,  centrando-se às vezes em outros personagens, como Peach e Andrew. Ademais, como era de se esperar, há várias referências à literatura, inclusive com uma lista de livros e autores reais que foram mencionados ao longo do enredo, o que achei bastante legal! Também gostaria de deixar claro que o livro não é um romance, como muitos podem pensar, pois, embora o romance exista, ele não é o foco principal da história. 




A leitura é fluida e bastante leve, bem água com açúcar, como um filme de sessão da tarde ou aqueles clichês da Netflix - o que não a torna ruim, é claro. É agradável. No entanto, não é um livro que eu considere marcante ou algo do tipo, por vezes sendo lento e me causando um pouco de tédio. Porém, na última parte da narrativa, a obra apresenta um final bastante apressado (como, SPOILER 🚨, aquele pedido de casamento nada a ver no final, sendo que os personagens ainda estavam se conhecendo melhor, não havendo um desenvolvimento adequado para tal feito). Outra coisa que me incomodou (e isso é mais um SPOILER🚨, então siga por sua conta e risco) foi como Natalie lidou com o falecimento de seu namorado, pois, mesmo que ela estivesse pensando em terminar com ele, por vezes ela soava fria e parecia mais incomodada com o fato de ele estar pensando em pedi-la em casamento (quando ela estava pensando em terminar) do que com a morte dele de fato. De qualquer forma, na maior parte do tempo, o livro foi agradável e divertido, com momentos aconchegantes e bonitos. 


Para ser justa e não apenas reclamar dos aspectos que julguei negativos, eu gostei muito da maneira como a autora tratou a demência de Andrew, especialmente quando a narração focava nele, pois foi permitido ao leitor se inserir no lugar de quem possui esse tipo de doença. A abordagem dessa questão foi feita de forma bastante responsável e realista, mostrando como é difícil para o indivíduo passar por um processo progressivo de esquecimento e também como é difícil para aqueles que cuidam daquela pessoa. Particularmente, lembrei-me bastante do meu próprio avô, que também apresenta demência. Considero este um ponto bastante alto da obra. Além disso, outra coisa que gostei foi a maneira como ela aborda a relação das personagens com o universo dos livros, sempre com muito carinho e com várias referências interessantes. Em alguns momentos, pode ser que você se pegue com vontade de ter uma livraria, assim como ocorreu comigo (também senti isso quando assisti ao filme "Mensagem pra você", com Tom Hanks e Meg Ryan). Ainda, a edição da Harlequin está uma fofura e dá de 10 a 0 na edição americana original. A capa, por exemplo, é adorável!


Ele começara a perder partes de si mesmo - a memória de curto prazo, o controle motor fino, a capacidade de raciocínio. Os médicos diagnosticaram uma forma branda de demência. Intermitente. Estágio inicial - a terrível implicação de que iria progredir. A perda da memória se agravaria, então viriam a desinibição e as alucinações. A mãe de Natalie já dissera que o avô ficava assustado e confuso de vez em quando. Outras vezes, ele voltava a ser quem ele era. 

 

Para quem busca um bom livro água com açúcar,  aconchegante e fofo, creio que esta é uma ótima pedida! ;)


O jeito como você passa o seu dia é o jeito como você passa a vida